XVIII - Fugir pela vida

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Através das sombras espessas do nevoeiro mental que lhe entupia o cérebro, nascido do seu profundo pavor e perigo a que estava sujeito, Paul McCartney esforçou-se para pensar de forma racional e fria. Rasgava esse véu de nuvens escuras com veemência e alcançava o reduto límpido e desimpedido que fazia dele um homem ponderado e inteligente. Postava-se hirto e sério nessa arena de luz e conseguia, simplesmente, pensar. Desse modo conduziu os seus companheiros de fuga pela floresta e foi-lhes dando as indicações que julgou mais acertadas para escaparem dos seus perseguidores que vinham atrás deles aos gritos alucinados.

A primeira decisão foi fazerem um percurso aos ziguezagues entre as árvores. Achou que assim poderiam despistar melhor os guerreiros que corriam no seu encalço, que esperavam que eles tomassem uma rota mais direta, sempre em frente. Não seria uma grande vantagem, mas aumentaria a distância que os separava dos guerreiros que conheciam bastante melhor os caminhos daquela floresta. Era crucial que conseguissem manter alguns metros entre eles e os negros armados de lanças e da fúria induzida pelo respeito que tinham ao seu curandeiro.

George e Ringo, aturdidos com o que tinham experimentado naqueles últimos minutos, seguiam-no sem protestar, correndo ora para lá, ora para cá, mudando o rumo a cada dez passos, confiando nele e na sua capacidade para salvá-los. A responsabilidade era enorme, mas Paul não se negava a aceitá-la já que o fizera desde o momento em que tinha combinado com John para irem buscá-los ao terreiro da aldeia onde os dois infelizes iriam ser sacrificados e comidos pelos canibais reunidos em redor das fogueiras.

John...

Pensou no amigo e um gosto amargo invadiu-lhe a boca. Esperava que ele estivesse, como eles, a usar de alguma inteligência para poder escapar-se e regressar à praia, onde iriam reunir-se antes de irem para o barco.

A resolução daquela confusão era essa: saírem da ilha. Não tinham outra possibilidade a não ser enfiarem-se na embarcação que estava presa nos bancos de areia, mesmo com pouco combustível, e afastarem-se dali. Tinham ofendido demasiado o curandeiro da aldeia para que fossem perdoados. A coexistência entre os quatro rapazes e a tribo tornara-se impossível a partir do momento em que as hostilidades tinham sido inauguradas com o banquete que iriam fazer com dois do grupo deles. Impossível negociar, impossível regatear. O território, aquela ilha, era demasiado pequeno para todos, infelizmente. Nem eles queriam entabular conversações com alguém tão louco e intransigente como o curandeiro mostrara ser. Para o inferno com esse homem mesquinho!

E do inferno escapavam-se eles fugindo numa corrida imparável.

A dada altura, entre uma respiração e outra, George perguntou:

- Sabes onde fica... a praia... Paul?

Ele não sabia muito bem, não tinha grandes dotes de orientação. Sempre usara um GPS, mesmo quando queria ir a algum sítio na cidade onde morava, pois nunca tivera a disposição, nem a paciência de encher a cabeça com informações sobre ruas, direções e caminhos. John conseguia orientar-se melhor. Primeiro porque nunca tivera muito dinheiro para luxos como um aparelho de GPS, servia-se do seu telemóvel para afirmar que também tinha essa aplicação que o guiava pelas ruas citadinas até ao restaurante onde iria jantar nessa noite. Segundo porque era orgulhoso para admitir que se perdia na sua própria cidade. Terceiro porque era observador e criativo, se se enganasse numa curva escolhia a curva seguinte e com mais ou menos imaginação chegava aos lugares combinados.

Mas John não estava ali e Paul não sabia onde ele estava.

Agora era o peito que lhe doía.

Resolveu-se a não mentir e respondeu:

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