VII - A primeira canção

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Ringo arrancou a lona das mãos de Paul que ficou com os braços levantados e as mãos abertas.

- Sim, é uma bateria e é também muito cara!

George aproximou-se.

- Roubaste essa bateria?

- Mas tudo o que tenho... tem de ser roubado? – zangou-se Ringo.

- É lógico... És um ladrão.

- Sou um ladrão pela força das circunstâncias. Expliquei-vos por que me decidi começar a roubar. Foi uma necessidade, está bem? Conseguem entender esse desespero? Julgo que não... – Abanou a cabeça. – Vocês são meninos que sempre tiveram tudo, sem fazer um grande esforço.

John também se lhes juntou.

- Estou a ver mais do que uma bateria. Está ali uma guitarra.

- Duas! – corrigiu George com um sorriso largo.

- Aquilo é uma viola baixo? – apontou Paul.

Ringo postou-se à frente dos instrumentos musicais, protegendo essencialmente o conjunto de tambores, bombos e pratos, abriu pernas e braços, a lona pendurada a despedir pó.

- Não quero que toquem nisto. São... São coisas preciosas.

- Nós vamos ter cuidado – explicou John a cobiçar descaradamente uma das guitarras.

Paul perguntou:

- Se não roubaste nada disto, como é que os tens?

Sem baixar os braços, vigiando rapace o avanço dos demais, pronto para detê-los e ameaçá-los se dessem mais um passo na sua direção, Ringo explicou:

- Quando tinha trabalho, tinha também uma banda. Tocávamos aos fins-de-semana, à noite, num bar da zona da baixa. A vida corria-me bem, admito... Não recebíamos muito pelos concertos... Quero dizer, não recebíamos nada, pagavam-nos com bebida e cigarros, uma refeição quente como um cachorro-quente ou uma fatia de piza. O cantor aborreceu-se dos honorários, os outros seguiram-no, eu fiquei com os instrumentos. Fui eu que paguei por eles, a maior parte do que custaram. Disseram-me que logo viriam buscá-los, mas até à data não apareceram. Nem os levavam de graça, não deixava. Tinham de pagar-me qualquer coisa, nem que seja pelo espaço que ocuparam durante este tempo todo.

- Mas nem sempre viveste neste armazém – observou George.

- Não, transportei-os para cá quando me mudei para esta nova casa.

- O que sabes tocar? – indagou Paul apontando para os instrumentos.

Com o braço cansado devido ao peso da lona, Ringo baixou-o e largou o pedaço grande de tecido. Resignado, percebeu que os outros estavam demasiado interessados para que os conseguisse arredar dali com meia dúzia de explicações.

- Eu toco bateria.

- Isso é estupendo! – exclamou John agarrando numa das guitarras. – Eu e o meu amigo Paul também conhecemos uma coisita ou outra de música.

- Pois é... – corroborou Paul com um sorriso tímido, a primeira vez que sorria depois de tudo o que tinha acontecido, desde o rapto, ao roubo, a perseguição policial e até ao refúgio naquele armazém imundo.

- Por que será que isso... parece não me entusiasmar? – lamentou-se Ringo.

George deu-lhe uma palmada amigável no ombro.

- Não deves mostrar-te tão desanimado. A tua primeira banda correu mal, mas isso não quer dizer que a tua carreira na música tenha terminado.

- Eu não quero continuar...

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