XXX - Corre, corre, corre, corre!

18 4 10
                                    


Alcançaram a plataforma metálica debaixo da janela pequena do apartamento da Margaret completamente exaustos, transpirados e muito nervosos. John agachou-se e pediu a Paul com um gesto de mão que o imitasse enquanto se aproximavam do parapeito. O vento ali em cima soprava com alguma força e era gelado, o típico vento do final do dia potenciado pela ausência do sol tapado pelos prédios altos, e o suor arrefeceu sobre a sua pele. O lugar em si era deprimente. A tinta vermelha estava estalada e nas partes onde descamara havia ferrugem antiga e escura. O gradeamento deixava ver o chão a uma altura assustadora e eles evitavam olhar para baixo para não terem vertigens.

Felizmente, a sua corrida inicial na rua não tinha alertado a polícia e aquela empresa mantinha-se secreta e com todo o aspeto de que iria ser levada a cabo com sucesso. Não tinham sido propriamente discretos, contudo tinham reagido suficientemente rápido para evitar que alguém achasse estranho ver dois rapazes a fugir na direção das traseiras do bairro. Por outro lado a polícia estaria certa de que os iria capturar e não procurara por outros indícios nos arredores, como perceber se havia movimentações suspeitas. A Margaret, a boa, querida e doce Margaret, deveria ter assegurado que eles estariam desarmados e desprevenidos, que não desconfiavam de que ela poderia lançar o alarme pois acreditavam na boa índole da mulher que os resgatara de um barco em pleno mar alto. O que condizia com os factos já reunidos pela investigação, pois eles tinham fugido do seu esconderijo, situado no armazém do cais, de barco.

John apoiou as pontas dos dedos no parapeito e impulsionou-se um pouco de modo a conseguir espreitar o interior da sala. Paul estava ao seu lado, engasgado e mudo, a indagar com um olhar esbugalhado o que estava a acontecer. E ele contou:

- Estão a ver um filme de cowboys, com o John Wayne... Vai acontecer um tiroteio dentro em breve com o bando de malfeitores que o bandido local contratou para controlar a cidade. Já vi este filme... Gosto muito. Quando era miúdo queria ser o John Wayne e brincava que andava aos tiros com os malfeitores. Ah, e estão a comer pipocas.

- A comer... pipocas? – soprou Paul incrédulo.

- A linda Margaret quis mantê-los distraídos e concentrados no filme enquanto fazia a sua maldade. Se estiver a mastigar, o George fica noutro mundo. E o Ringo acompanha-o.

- Consegues vê-la?

- Não... Daqui não. A porta que dá para a rua continua fechada, pelo que ninguém bateu ainda. A linda Margaret deve estar escondida no seu quarto, a tremer de medo como uma autêntica donzela em perigo.

- Alguém vai bater à porta? Dizes que a polícia... vai bater à porta?

- Claro! A detenção irá decorrer de surpresa e bastante rápida. A Margaret deve ter recebido instruções para não assustar nenhum de nós. Eu e tu ainda estamos na rua... Ela não sabe que já vimos os carros da polícia e que escapámos. Espera que sejamos logo capturados lá em baixo, dentro do supermercado. Depois, ou o mais provável é que seja ao mesmo tempo, vêm cá em cima e apanham o George e o Ringo. Assim ninguém vai ter tempo de avisar os outros, ela percebeu que não temos telemóveis. Tudo previsto, tudo arranjado. Não existem falhas.

- A tua mente é pérfida... Como consegues elaborar toda essa teoria esquisita?

John sorriu-lhe, mostrando os dentes.

- Porque a minha mente é pérfida, precisamente.

Tornou a espreitar para o interior pacífico da sala. Ali dentro também deveria estar mais quente. John disse que iria bater no vidro para chamar a atenção dos amigos. Paul pediu-lhe, inquieto, tocando-lhe no braço:

- Tem cuidado.

- Tenho mãos de veludo, Macca.

Dois toques e não surtiram efeito. A música do filme tinha subido de tom para acentuar uma cena mais dramática. O encontro dos participantes do duelo no centro da cidade... Ringo apontou entusiasmado para o ecrã da televisão. George acenou com a cabeça e trocaram algumas palavras. Comeram pipocas.

Na Minha VidaOnde histórias criam vida. Descubra agora