Shattered Ice

XXIV

É de domínio público que os patinadores artísticos passam de quinze a trinta horas no gelo semanalmente. Mais quatro horas diárias ou mais de academia e aulas a parte. Além do tempo em que, tecnicamente, deveríamos estar dando um descanso aos nossos tão sofridos ossos. Porém ao invés disso, nos encontramos patinando em lagos, parques ou no próprio rinque fora do horário comercial. Tudo para nos certificarmos que cada ângulo corporal, inclinação da lâmina dos patins ou do salto seja, no mínimo, impecável.

— Estou nervoso. Ah, merda. Sempre digo isso. Mas agora estou mesmo. — Elijah arfou e enxugou o suor da testa, fazendo a maquiadora reclamar. — Estou nervoso por estar nervoso.

— Bem, eu estou nervosa por estar nervosa de estar nervosa! — Exclamei, e em seguida soltei um palavrão quando meu celular caiu. Coloquei ele de pé encostado no espelho da penteadeira a minha frente e limpei a câmera com um guardanapo.

Muitas vezes estamos esperando por algo e repetimos mentalmente inúmeras vezes por dia: "Ainda há tempo, mais para frente eu penso nisso". E o maior problema é quando o tempo esgota-se e não temos outra opção a não ser pensar muito nisso e encarar de corpo e alma.

Em menos de duas horas estarei no centro daquela pista de patinação rezando para que meu esforço recompense-me com um bilhete dourado para as Regionais. Tenho certeza de que vou me sentir ainda pior quando chegar o dia — se chegar — das Seccionais. Mas são as duas apresentações mais importantes da minha vida e carreira até o momento. Já ser nomeada seria uma honra, no entanto se eu não for bem o bastante hoje, terei que resguardar-me por mais um ano e tentar novamente na próxima temporada.

Já fiz isso por tempo o suficiente e estou cansada. Mergulhei nisso de cabeça e estou disposta a dar o meu sangue por essa oportunidade.

E espero que ninguém entre em caminho.

Como não pudemos nos arrumar juntos desta vez, resolvemos fazer uma videochamada para não nos sentirmos tão sozinhos. Charlie está participando, mas de fone e somente via caretas e gestos — obscenos ou não — já que Claire está atrás dela feito um gavião. Apesar de Charlie ser mais controlada, hoje é a primeira vez em... Desde que a conheço, na verdade, que está tão calma. É uma competição qualificatória e ela parece estar indo patinar no Central Park em um sábado à noite. Flagrei-me pensativa no folheto da UCLA por cima de sua bolsa, mas dei de ombros por enquanto, não é disso, e ela ainda não comentou por vontade própria.

— Bella, precisa avisar se estiver sentindo que falta firmeza. — Samir, meu amado e rotineiro cabeleireiro, pediu enquanto colocava o que parecia ser o centésimo grampo no meu cabelo.

Hoje devo encarnar a alma, silhueta e pureza de Elizabeth Bennet. Pensamos com muita atenção aos mínimos detalhes no figurino, maquiagem e cabelo. Então diferente das minhas apresentações anteriores, hoje estou mais leve. Minha maquiagem é em tons de creme, salmão e rosa, porém muito, muito suaves. O cintilante em minha pálpebra foi só um toque pessoal. Meu cabelo está preso em um coque baixo bem simples, porém Samir embutiu um aplique natural de uma franja falsa hiper delicada, como a de Lizzie. E o vestido foi inspirado no que a personagem usa no baile de Netherfield. A peça mais delicada — em todos os aspectos — que já vesti, com uma camada de seda branca por cima do tecido de base. Ele é trançado no busto com um decote quase imperceptível e as mangas são curtas, sendo 90% transparentes. Por mais que tenhamos tentado recriar a maior parte da essência do vestido, fizemos algumas alterações no comprimento e caimento final, a fim de que pudesse terminar na altura dos joelhos e a saia pudesse movimentar-se mais quando eu girasse. Minha leitora interior está debatendo-se com a minha aparência, de alegria.