— Você precisa carregá-lo mais alto!
— A água só está chegando em seus tornozelos.
— Mas olhe para aquela onda, irá derrubá-los.
— Espero que ela a derrube para ficar quieta.
— Alec!
— O bebê está bem. Continua olhando para o mar com mais calmaria do que você.
— Eu estou relaxando...
— Não está, não. — Alec arqueou uma sobrancelha. O bebê deu risada. — Comece a focar nos detalhes. Nas sensações. E só então vai conseguir relaxar.
— Está bem.
O mar é uma extensão muito grande. Água. Ondas. Tons de azul misturando-se com branco. O céu pintado de um azul meramente invisível e claro. A mancha laranja começando a expulsar as nuvens e a tingir o céu. Agora o sol é o protagonista. Ele esquenta a água que nos cerca, que nos toca.
Estamos ao meio de uma grande esfera, entre o mar e o sol. Pensei que haveriam árvores em algum lugar, ou talvez areia e construções há uma certa distância. Mas é tudo um grande infinito marítimo designado somente para nós. O pôr do sol está cada vez mais marcante, fazendo com que pouco a pouco, o corpo de Alec desapareça contra a luz, tornando-se uma sombra preta. Mas consigo ver o contorno específico de seu corpo. Vejo seus músculos e seus ombros largos, as ondas úmidas de seu cabelo caindo como pétalas em um dia de verão. Eu vejo o braço que segura o bebê. Eu vejo o bebê.
Não tive tempo de observá-lo antes de tornar-se uma mancha como Alec. Mas é um pequeno ser humano. Seus bracinhos envolvem o pescoço de Alec para proteger-se da maré, e seus pés estão submersos na água.
E então enxergo o outro braço de Alec, dentro da água. Mas sinto sua mão segurar a minha. Na verdade, essa mão não largou a minha mão esquerda desde que chegamos aqui. Por que ele não solta essa mão? Quando chegamos aqui?
Sinto o vento encostar em minha pele. Ele balança os resquícios dos fios secos em meu cabelo. Respiro o aroma da água doce. O perfume oceânico inunda meus sentidos e de repente, torno-me confidente do mar. Acredito que antes eu estivesse com os pés flutuando, agora estou dissolvendo-me no mar. Braços, pernas, coluna. Estou boiando, faço parte da água. Meus ouvidos estão bloqueados pela água, mas minha audição continua acordada o bastante para ouvir o barulho do mar.
E então a risada do bebê outra vez. As carícias de Alec. Alguns pássaros momentaneamente começando a soar pelo céu. Meu corpo tornou-se completamente consciente dos sentidos ao meu redor.
Estou consciente demais.
Alec está me puxando. Mesmo se quisesse, não consigo largar sua mão. Eu estou deixando de boiar. E então o mundo começa a sumir. A água está aumentando, ela chega na altura de meus ombros, de meu pescoço. Alec me puxa outra vez. Por que ele consegue ficar acima do nível da água? O bebê sumiu, assim como o sol. A água cobre minha boca. Aproxima-se de meus olhos.
Acho que ela quer me levar, mas há o restante do mundo através dela. Uma cortina de água.
Minha consciência voltou ao meu cérebro, finalmente. Tomei poder de meus ossos e comecei a movimentar os pés pela primeira vez. Agora quem puxou a mão de Alec fui eu. Agarro-a. Livro meus olhos da água emergente. O mundo agora é branco. É uma imensidão de luz. Não vejo mais nada, nem minhas pernas.
Vejo apenas minha mão esquerda e a mão direita de Alec. Agora separadas. Tenho o reflexo de mantê-las unidas novamente.
E o mundo torna-se preto.

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Shattered Ice
RomanceO DESTINO É FEITO DE GELO Quando se é uma patinadora artística, baseia-se na confiança. Nos outros, e em si mesma. O gelo é o nosso fiel confidente, um reflexo de nossa alma. Prometemos manter o gelo que nos desliza por nossos destinos intacto, ...