XXXII

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Pela primeira vez em anos, eu dormi.

Quando digo dormir, digo dormir livremente. Não cheguei exausta às dez horas da noite e liguei cinco alarmes para às quatro da manhã. Não repassei o que fiz de errado no treino na cabeça antes de adormecer com o corpo saturado de tanto exercício. Não acordei sem a presença do sol já pensando em todas as coisas que tinha para fazer, ou em quantos quilômetros deveria correr para ligar os meus ossos.

Hoje eu dormi com a mente limpa e o corpo leve. Acordei sem os barulhos de sirenes do Brooklin e percebi alguns instantes depois que não havia nada para pensar. Nenhum afazer. E por mais que as cortinas blackout estejam cobrindo as janelas, tenho a impressão de que está de dia e isso não é um reflexo automático do meu corpo acordando de madrugada como de costume.

Por conta da escuridão extremamente confortável do quarto, foi tanto fácil quanto difícil abrir os olhos, mas quando os abri, encontrei dois pontos azuis me encarando. Fechei os olhos novamente. Pisquei duas vezes. Franzi o cenho e puxei a parte peluda do cobertor para perto do rosto.

— Estava me olhando dormir? — Perguntei com a voz rouca. — É melhor que a resposta seja não.

Estava deitada com a barriga virada para cima e as pernas amontoadas nas pilhas de cobertores, com Alec deitado de lado, colocando seu peso em um dos cotovelos. Parecia bem acordado.

— Eu tenho mais coisa para fazer do que ficar te olhando. — Uniu as sobrancelhas.

— Sei. — Abri um pequeno sorriso. — Estava dormindo?

Ao contrário de mim, ele está vestido.

— Na verdade... — Alec mostrou o relógio digital que estava em cima da mesa de canto. — Já é meio-dia. Você sabe que não costumo dormir tanto ou direto, então acordei as oito e fui correr. Voltei e dormi de novo. — Deu risada. — De qualquer forma, nunca dormi assim, eu acordo às três da manhã.

— Nossa. A última vez que eu dormi até o meio-dia foi... — Levantei as sobrancelhas. — Literalmente anos atrás. Eu perdi metade do dia!

— Não é como se tivéssemos algo para fazer. — Alec jogou uma almofada que nos dividia no pé da cama. — Nossa quarentena cibernética vai até de noite, temos o dia livre.

Normalmente teríamos algumas horas de amanhã também, mas para chegarmos em Nova York, são quase vinte e quatro horas de viagem, então não podemos prolongar tanto. Afinal, precisamos voltar para as nossas vidas na segunda-feira.

Fiquei alguns pessoais segundos encarando Alec e meu cérebro retomou as memórias da noite anterior. Pensei que poderia acordar arrependida, um pouco em pânico e confusa. Mas estou igual a noite passada, nada mudou.

E isso é bom.

Não é estranho? Ter tanto tempo livre, nenhuma obrigação.

— Sim, muito. — Alec respirou fundo e abriu um sorriso de canto. — Mas não estou reclamando. Cabem tantas coisas em um dia. Eu tenho uma imensidão de ideias para fazer.

Alec me beijou sem desmanchar o sorriso no rosto e eu passei os braços ao redor de seu pescoço. Sua mão gelada em minha pele exposta fez eu soltar uma risada com as cócegas, e seus beijos se espalharam até o meu pescoço.

Eu poderia acordar assim todos os dias.

Alec... — Mordi o lábio inferior. — Estou com fome.

Alec parou a trilha de beijos e deu risada, encostando a testa no meu ombro.

— Estava só esperando o momento que iria dizer isso. — Alec sentou na cama, e eu me embrulhei no lençol, pisando no chão de madeira.

Shattered IceOnde histórias criam vida. Descubra agora