XXVI

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Agosto

Entendo que aniversários são feitos para comemorar mais um ano de vida, e acredite, um dia gostei de comemorá-los. Até eu perder o meu pai.

As coisas em casa sempre foram caóticas, não conheço uma versão da minha mãe que não seja desequilibrada e insensível, apenas uma que parecia ser controlada por remédios. Talvez o remédio em questão fosse a presença de meu pai, mas isso também não durou muito, já que começou a discutir com ele todas às noites quando eu tinha menos de dez anos. Eu era jovem demais para prestar atenção — e compreender — as situações direito, mas acredito que ela tenha conhecido um outro homem, seu amante. E meu pai descobriu, mas não queria divorciar-se para não me deixar sozinha.

Isso não durou nem dois anos, porque então ele faleceu logo após, e foi aí que fiquei sozinha para valer. Se ela tinha ou não um amante, não o levou em casa uma vez sequer, até mesmo quando era uma adolescente, jamais a vi com algum homem. Porém, sei que tinha alguém, principalmente antes de meu pai morrer e quando eu estava no terceiro ano do ensino médio, já que haviam muitas oscilações de humor e desaparecimentos frequentes, além de mais mentiras do que o habitual.

Meu pai era a pessoa que tornava meus aniversários felizes, fazendo tudo o que podia para afastar as interferências desastrosas de minha mãe, e ele conseguia. Sempre me ensinou que os aniversários são "um dia para comemorar que mesmo estando sobre uma perna só, ainda tem uma perna para equilibrar-se no mundo". Mas quando se foi, essa perna pareceu bem inútil, na verdade.

Minha mãe nem me deu feliz aniversário hoje. Não que fosse fazer alguma diferença, mas não deu. Felizmente, pude conversar grande parte da manhã com a minha avó, que prometeu enviar-me pelo correio alguns bordados novos que andou fazendo para mim.

Alec, mesmo com onze anos de idade como eu, fez de sua missão de vida encontrar meios para que eu continuasse gostando tanto assim dos meus aniversários, já que ele sempre fez parte de cada um deles. Bolos prontos de mercado com um glacê mal feito escrito "doze anos da metade da minha cenoura" foram um deles.

No entanto, como havia aprendido e notado que eu não gostava tanto de fazer aniversários como antes e não sentia-me a vontade, quando crescemos, Alec não me desejava mais feliz aniversário. No lugar, ele dizia "bom dia" — mesmo não estando de dia. Não como um cumprimento, mas para manifestar que eu tivesse um bom dia, simplesmente. Sem o fardo de ser uma data comemorativa e muito menos o meu aniversário.

Ele só queria que eu tivesse um bom dia.

Como eu não tinha realmente uma casa para comemorar meu aniversário, já que até os meus quinze anos meu avô ainda estava vivo e morava no Mediterrâneo com minha avó, era a família de Alec que tentava alegrar uma criança em seus aniversários solitários. Todo ano, sem tirar nem por, Alec, o pequeno Jacob, Richard e Cecilia batiam meia-noite na porta de minha casa para me desejarem feliz aniversário pessoalmente enquato cada um segurava uma vela de aniversário. Eles diziam que assim, todos os anos, teria cinco desejos "mágicos" para fazer, contando com o da hora do parabéns.

Já o aniversário em si até eu ter treze anos costumava ser comemorado expecionalmente com eles, ou em casa, ou em algum restaurante legal. Eles faziam de tudo para tornar o meu dia especial e tirar o meu pai da cabeça, e até mesmo minha mãe, que apenas murmurava um "parabéns" como se fosse um cumprimento. Era só isso, todos os anos.

Shattered IceOnde histórias criam vida. Descubra agora