Tem algo mágico em ferver um pouco de água, mergulhar um saquinho de chá de frutas vermelhas e embrulhar-se em um cobertor enquanto pega um livro para ler. A fumaça aromática do chá consumindo seus sentidos, a sensação de conforto dos cobertores peludinhos, e a descoberta do desconhecido ao participar de uma história que não é realmente sua.
Cabe a cada um decidir se o silêncio ao seu redor é realmente solitário ou libertador. Acho difícil ser solitário enquanto tenho meus fiéis companheiros — os livros, ao meu lado. Me perder nas palavras e entrelinhas é o que chamo de paz.
Treinei a manhã inteira, como sempre, desde as seis horas em ponto da manhã, e por ser uma quinta-feira, tive o resto do dia de folga. Usei grande parte da tarde para terminar Little Women. Gostaria, talvez, de me relacionar menos com a personagem Jo, porém acho que tenha deixado minha carreira sobrepor meus sentimentos por muito tempo.
Pelo menos, sei que ela depende somente de mim, o que mesmo sendo aterrorizante, é ao mesmo tempo seguro. Traz confiança, o que é difícil de encontrar hoje em dia.
Decido sair do meu ninho e guardo o meu livro na estante. Não tenho tanto espaço, é na verdade um quarto realmente pequeno, mas funcional. Minha cama é um meio termo entre de solteira e de casal, totalmente branca e cheia de almofadas em tons frios. De resto só tenho espaço para um pequeno armário, minha estante de livros — que mal cabe nada — por cima da cama, e do outro lado, tenho uma parede azul turquesa, minha cor favorita.
Ela possui pequenas estrelas brancas que pintei quando me mudei no ano passado. O apartamento é alugado mas no contrato sou obrigada a pintar todas as paredes quando sair de qualquer forma, então resolvi aproveitar.
É nessa parede que tenho minhas medalhas e prêmios que venho coletando desde criança. As vezes olho para elas e sinto um orgulho imensurável, outras vezes, sinto apenas um vazio. É como ter grandes conquistas mas sentir saudades de ter alguém para dividi-las. Apenas parece... errado.
— Rata, sai do esgoto, eu fiz comida! — Escutei meu amigo, Elijah, gritar do outro lado da porta.
— Tão amoroso... — Comentei, arrumando as almofadas, abrindo um sorriso de canto.
Calço minhas pantufas e arrumo meu pijama. Não iria me arrumar quando finalmente ganhei um tempo de sossego.
Saio do quarto e caminho até a nossa cozinha. É o estilo americano, ou seja, sem paredes como divisórias. Realmente pode conhecer o apartamento inteiro em dois minutos bem cronometrados. Mas tem a nossa cara. A parede da sala tem textura de tijolos e colocamos vários vasos de plantas espalhados, além de algumas pisca-piscas. Sempre fui apaixonada em pontos luminosos.
E a vista... É de tirar o fôlego. Moro no Brooklyn, um bairro comum e que não é tão caro de Nova York. Posso não ter a vista do Central Park, mas tenho da famosa Brooklyn Bridge, rodeada de prédios e luzes a noite, além do rio que a cerca. Para mim é tão bonita quanto.
— Você tem noção de que chegou faz umas quatro horas e eu só te vi agora? — Elijah perguntou, terminando de assar o filé de peixe.
Temos uma dieta realmente regrada. Não digo que de vez em nunca não ignoramos e comemos porcaria, mas não devemos fazer isso. Não só para manter o peso, como o bom funcionamento do sangue, coagulação, o sistema linfático e a energia. Me acostumei a comer peixes, coisas integrais, fibras e cereais, muitas frutas e legumes desde cedo.
— E estou errada? O Festival de Inverno está arrancando meu couro fora. — Me sentei na bancada da cozinha e tomei meu mix de vitaminas.
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Shattered Ice
RomanceO DESTINO É FEITO DE GELO Quando se é uma patinadora artística, baseia-se na confiança. Nos outros, e em si mesma. O gelo é o nosso fiel confidente, um reflexo de nossa alma. Prometemos manter o gelo que nos desliza por nossos destinos intacto, ...