ALEC
Julho
— Cara, estou fazendo o que posso... — Isaac deu uma garfada em sua paella. — Se a polícia me pegar vão achar que sou um psicopata. Mas agora acho que estamos no caminho certo.
Dei um gole na cerveja e virei-me para a direita, encarando a paisagem da Praia de Nova Icaria, uma das mais famosas e tranquilas de Barcelona, aonde estamos no momento.
Já estamos viajando há cerca de um mês para os jogos qualificatórios até o Campeonato Regional de Hockey. São doze jogos ao todo, sendo um por semana e por cidade. No mês passado começamos viajando para Paris, na França. Nas semanas seguintes fomos para as cidades vizinhas, como Cannes, Marseille e Nice. Neste mês estamos jogando na Espanha. Começamos na semana passada em Madrid, e agora, na quinta-feira, estamos em Barcelona para o jogo de sábado.
Para finalizar o rodízio desse ano, mês que vem viajaremos para a Irlanda e passaremos por Dublin, Galway, Cork e Limerick. Para garantirmos nossa posição com certeza, temos que ganhar pelo menos sete dos doze jogos, mas até o momento estamos indo bem, já tendo pontuado quatro vitórias.
Entretanto, o anúncio do rodízio foi feito mais tarde do que o previsto habitualmente. Tivemos três dias para arrumarmos tudo e partirmos, por isso foi muita sorte eu ter conseguido comparecer a competição de Safira como o combinado. Foi óbvio que ela não ficou contente quando disse que ia embora, mas quando expliquei o motivo, ela entendeu — ou pareceu entender. Ainda assim, notei um forte receio e angústia pelo fato de eu simplesmente estar viajando para algum lugar.
Sinceramente? Eu teria avisado no mesmo dia em que soube, mesmo se alguns dias de antecedência não tivessem feito tanta diferença assim. Eu liguei, liguei, e liguei de novo. Mas ela sumiu e não tive como avisá-la antes. Entendo o motivo, realmente entendo. Vê-la chorando no meu carro quando estávamos saindo dos Hamptons partiu o meu coração em tantos pedaços que duvido que ela jamais tenha noção, ou consciência, mas ela se esquiva demais. A conheço há vinte e três anos, e ela sempre omitiu seus sentimentos. Não se expressa com facilidade, esconde as verdades por debaixo da língua, tornando-se inacessível.
É frustrante enxergar tão bem cada característica de suas emoções e não poder fazer nada a respeito. Cada cruzada de braços, arqueio de sombrancelhas, estralo de dedos e mordidas no lábio inferior. Mesmo que não saiba, sempre estudo cada lampejo de suas expressões, na esperança que transfira um pouco de claridade para mim.
Porém, sempre acabo no escuro.
Isso me enfurece de vez em quando, fico atônito. Mas também me cobro para relembrar-me frequentemente que é o seu jeito de ser. É seu obstáculo e não quero forçá-la a fazer o que não deseja ou não se sente bem a respeito. Não posso culpá-la por não sentir-se confortável em driblar seus próprios pensamentos e inseguranças se eu já fiz o mesmo tantas vezes.
Ao mesmo tempo, penso quanto tempo vou aguentar.
— Tem certeza de que ela está realmente morando aqui? — Indaguei, largando os braços por cima da mesa. — Eu nunca pensei na Espanha, cogitei que tivesse ido para a Arábia Saudita. — Sua familia ser árabe é a única coisa pessoal que sei a seu respeito.
Isaac costumava procurar por Aisha incansavelmente quando ela foi embora, e após meses sem resultados e o coração partido por perder a amiga, desistiu. Sei que no fundo sempre perguntou-se aonde ela poderia estar e como, mas estava começando a perder o foco nos jogos e a desenvolver problemas de saúde, como ansiedade. Foi nesse momento em que decidi jogar um doloroso balde de água fria para fazê-lo parar com a busca, antes que entrasse no mesmo caminho que eu: uma vida a base de remédios. Mas no momento em que Jordan e Natasha começaram a agir contra eu e Safira e as coisas começaram a complicarem-se com a fotografia vazada no baile da CADG, percebi que não haveria outra forma de acabar com Jordan sem Aisha.

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Shattered Ice
RomanceO DESTINO É FEITO DE GELO Quando se é uma patinadora artística, baseia-se na confiança. Nos outros, e em si mesma. O gelo é o nosso fiel confidente, um reflexo de nossa alma. Prometemos manter o gelo que nos desliza por nossos destinos intacto, ...