13 | christopher

187 47 2
                                    


Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.


A chama consumiu a ponta do cigarro, e ele levou aos lábios, tragando uma longa e demorada fumaça – soltando-a para não engasgar. Seus olhos arderam; piscou para afastar as lágrimas que não eram a causa da fumaça nem do brilho da tarde.

Christopher recostou a cabeça no batente da janela aberta, o corpo relaxado enquanto observava a cidade do quarto, o polegar da outra mão alisando o botão do gravador. Era uma vista tranquila; não havia muito movimento na rua, o hotel do outro lado encarando o apartamento imponente de onde morava como um súdito envergonhado. Mais ao longe o rio São Lourenço desaguava no porto, os barcos, canoas e iates boiando numa fileira organizada, a tênue oscilação da água fazendo-os ondular para cima e para baixo.

Christopher tragou mais um pouco, pedindo aos ventos que circundassem a janela para levar então embora o cheiro do cigarro só para sua mãe não suspeitar demais. Fazia um tempo que ele não fumava – talvez uns três ou quatro meses −, e o gosto daquilo parecia um pouco mais pastoso, quase como engolir cinzas.

Ele piscou para a água do porto refletindo o céu de vidro azul rachado. Era um céu diferente da memória de Morrighan, sem ser cinzento e estéril. Ele estava acostumado em pensar nela como um nome, uma lenda, e não necessariamente como sua mãe. Aquela que lhe trouxera o aroma do mundo depois de tantos meses dentro do ventre. No entanto, ainda era estranho pensar, mesmo que tantas vezes, mesmo depois de ter visto aquele rosto pela primeira vez, que tinha sido gerado por outra pessoa.

Seus olhos vagaram pela escrivaninha extensa em um canto do quarto até repousarem no diário de Gawain que sempre deixava ao lado dos livros. Tinha sido difícil traduzir tantas expressões e gírias gaélicas-escocesas que o homem usava ao registrar seu dia naquelas páginas agora amareladas pela passagem sem volta do tempo. Algumas delas não havia tradução – mas era até gratificante saber que tinha mais um idioma para adicionar ao currículo. De experimentar as palavras na língua.

Christopher tragou mais um pouco, afastando o tabaco para erguer o gravador, apertando um botão para que a fita tocasse. Um ruído se propagou pelo cômodo, a fita desenrolando como se ele estivesse em um filme antigo noir – no entanto, sem todo o mistério e o filtro preto e branco. Não, o ruído dava-lhe a sensação de uma mesa na cozinha na hora do almoço.

Mòran taing, mòran taing – disse o Chris da fita, a voz mais fina reprimindo a felicidade, e o rapaz abriu um sorriso com a lembrança. – É complicado não deixar essas palavras parecerem com mandarim.

O que isso significa? – perguntou a voz de sua mãe, um pouco mais distante. A voz dela era contagiante; era impossível não querer sorrir com aquela melodia suave com um toque de rouquidão, do sotaque yorubá que ela sempre carregava.

— Significa "muito obrigado" em galego-escocês. – O Chris da fita respondeu com um tom quase duvidoso, como se ele tivesse que dar uma olhada nas anotações para se certificar. – Então direi mòran taing quando o almoço ficar pronto.

Their war, our curse - FBTG Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora