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Era difícil olhar para os céus e não notar a sutil mudança de cor no azul, quase para um turquesa, as nuvens brancas manchadas de laranja mesmo sendo quase duas horas da tarde.

Seus olhos vagavam pela sala de aula, decaindo em Misha que parecia querer falar sobre o único assunto que havia chocado mais do que ela ser filha de Morrighan – ser irmã de Christopher. Nea deve ter notado que o amigo estava a irritando, porque deu um beliscão na testa de Misha para que ficasse quieto, olhando para Zoey de relance como se em desculpas.

Ela lhe deu um sorrisinho que logo se esvaneceu. Desde o dia anterior não conseguia parar de pensar em Morrighan, e pensar nela enquanto observava os pais durante a janta lhe despontava um sentimento esquisito como uma erva daninha no qual não conseguia arrancar. Você não precisa amar Gawain e Morrighan. A sua família é a sua família. Eram as palavras que Zoey se agarrava quando o rosto de Morrighan surgia em seus pensamentos – e o pior, quando escutava o berro de Pandora queimando na fogueira. Temeu até que tivesse pesadelos com aquilo, mas ela sonhou com nada – uma grande partitura sem notas.

Zoey observou agora os dedos dedilharem a carteira enquanto a voz da professora era somente um eco. Quando algum sussurro ousava dizer o nome de Morrighan, Zoey direcionava os pensamentos para outro lugar – e se perdiam para a partitura em branco. Não conseguia deixar de lado sua origem, como poderia, mesmo em meio ao caos que estava sendo aquele jogo? Antes de pegar no sono, ela ficou divagando o quanto saber de qual família era ajudaria nas investigações. Contudo, o rosto da guerreira voltava, um sentimento tentando adentrar em seu coração com garras sobre a lousa; como você quer ignorar sua origem? Quer mentir para você mesma outra vez?

O dedo indicador de Zoey pressionou contra a carteira, ficando pálido, um galho despontando próximo à unha. Havia pensado na possibilidade de falar tudo o que estava acontecendo aos pais, a Noah, mas quando sua mãe chegara com a notícia de que tinha sido contratada pela editora, a história morreu na garganta, enfiando-se em algum lugar escuro dentro de si.

E, ao acordar hoje pela manhã, o dia parecia uma promessa de mais conversa sobre o que viram naquele salão.

Zoey viu dois dedos dedilhando em frente aos dela, e ela ergueu os olhos para Nea. Ele deu uma olhada para a professora de costas à sala antes de voltar para Zoey e dizer baixinho:

— Vamos nos reunir hoje na sala do clube das garotas.

O coração dela disparou, fazendo o galhinho do dedo crescer, e então recolheu a mão.

Ela não precisava perguntar o motivo.

— Tá.

Nea continuou olhando para ela, como se muitas coisas passassem por sua cabeça – talvez as mesmas curiosidades que passavam na de Misha.

— Chris não vai força-la a ser irmã dele.

Zoey comprimiu os lábios, a professora dando uma bronca pela conversa paralela dos dois.

Está tudo bem levar um tempo para processar, mas você sempre vai saber quem ama – e quem te ama também.

Ela respirou fundo, fincando as unhas na mão direita sob as mangas, e com um sorriso, disse:

— Tudo bem.


*


— Daqui a pouco esse lugar vira um jardim de tanta planta que tem aqui – debochou Misha enquanto cutucava uma suculenta no formato de uma flor no alto de um armário.

Their war, our curse - FBTG Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora