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— Você tem um corpo forte, garota. – disse a doutora, seus dedos longos ajeitando a bolsinha de medicamento amarelado no alto do suporte para soro.

Zoey quase murmurou, observando o líquido pingar e pingar, depois deslizar para o tubo e descer devagar, até chegar onde estava a agulha fincada em uma veia.

— Seus pais estavam desesperados pelo tanto de sangue em seu rosto, mas é impressionante que não tenha perdido tanto. – A mulher tinha a voz grave, e Zoey esquecera seu nome; sua cabeça latejava demais para poder processar nomes recentes. – É sortuda por não ter sido contaminada pelos vestígios de matéria-escura que encontramos em você.

Zoey desviou o olhar, os dedos tocando na testa onde aquele chifre horroroso tentara perfurar. A sala do hospital ali era espaçosa, com várias cadeiras e equipamentos para recebimento de medicamentos, e apenas Zoey e mais um garotinho que dormia enquanto a mãe ficava ao seu lado, afagando sua mão pequenina. A luz era fraca; ela tinha pedido para apagar algumas – era ofuscante demais, as pálpebras estremeciam quando tentava abrir os olhos.

A luz do corredor lá de fora se derramava pela janela, banhando o chão com o branco débil de hospital, aquele cheiro esquisito de soro e outras coisas que Zoey não conseguia identificar. Lá, para além da janela, seus pais, Noah, Rune, Lucca, Christopher e Yiriz a olhavam como se tivesse perdido algum pedaço do corpo.

Seus olhos se encontraram com os do irmão. A saliva era salgada descendo pela garganta.

Não havia culpa no olhar dele. Nada do que ela esperava – raiva, rancor, horror por ter visto aquela pior parte dela. Seus olhos escuros estavam vermelhos e inchados, o nariz arrebitado rosado, e mesmo dali, a alguns metros da janela, Zoey conseguia enxergar as bochechas úmidas dele.

Noah já tinha visto Zoey daquele jeito. Daquele estado dela. Era o mesmo olhar, porém, havia muito mais terror, mesmo que misturado ao alivio. Era a pura sensação errada do medo, do terror de estar no limiar entre assistir alguém partir – um intermediário te puxando para o abismo escuro ou ver esse alguém, por livre e espontânea vontade, se jogar nele para proteger.

Ela desviou o olhar para a doutora que se sentou ao seu lado, uma prancheta com papéis em cima.

— Vai demorar mais ou menos uma hora para o medicamento acabar – ela olhou para a bolsinha no suporte e anotou alguma coisa no papel. – Ah, e olha só – ela retirou entre as folhas duas chapas escuras com uma figura esquelética de um maxilar. Zoey formou uma careta. – Era para você ter deslocado o maxilar só pelo inchaço e perda de sangue aqui, mas está tudo no lugar.

A mulher pegou um otoscópio preto do jaleco e se inclinou para Zoey, a pontinha gelada no ouvido, e ela remexeu os dedos. A doutora se afastou e puxou uma lanterna clínica, acendendo-a e direcionando no olho esquerdo de Zoey. Ela piscou, abaixando a cabeça.

— Eu vou pedir para que tragam algo para você comer. – A mulher se levantou, colocando a prancheta entre um braço. − Vou permitir a entrada de até três pessoas por vez, ok?

Zoey balançou a cabeça, olhando para a janela enquanto a doutora saia da sala. Ela viu Christopher virar o rosto, franzindo as sobrancelhas, a boca se movendo, saindo de seu campo de visão a passos rápidos. O som da porta batendo fez Zoey desviar o olhar; seus pais entraram correndo e atravessaram a sala, os braços de sua mãe a puxando num abraço apertado. Zoey tentou não mexer o braço direito que recebia o medicamento, lágrimas enchendo seus olhos, seu pai segurando sua mão enquanto massageava as têmporas com a outra. Noah sentou do outro lado da cadeira, fitando-a.

Their war, our curse - FBTG Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora