26

180 38 2
                                    



Os dedos de Zoey estavam gélidos, e era difícil flexiona-los como se tivesse enfiado as mãos num manto de neve. As costas suavam frio apesar do suéter de lã amarelo-mostarda, os olhos fixos em um ponto e outro, os batimentos martelando num compassar sequencial de um metrônomo. O corpo desejava estremecer, mas ela reprimia a vontade de puxar os cabelos e começar a gritar com qualquer um da sala – mesmo que ninguém tivesse culpa de nada.

Porque a culpa era essencialmente dela.

Seus olhos repousaram em Rune, a amiga sentada ao seu lado no sofá da sala de estar da outra casa de Lucca, onde a maioria do pessoal estava reunido para discutirem sobre o que fazer com os planos agora que um dos jogadores finalmente decidiu dar as caras. Nem todos estavam ali na sala – Brooke, Lisa e Scarlet estavam assegurando Pyxis no andar de cima, enquanto Leif do lado de fora. Nea tivera que permanecer no colégio para não levantar suspeitas demais – um bando de adolescentes saindo no meio do horário de aula outra vez era estranho. A amiga estava mordiscando a cutícula de uma unha, os cotovelos apoiados nos joelhos, um pé batendo no carpete. O olhar parecia tão perdido quanto os seus.

Zoey estava em partes aliviada – porque a outra parte estava em alerta com a segurança dos pais e de Noah principalmente – ao ter a amiga ao seu lado. Quando se reencontraram ali, Rune a abraçara tão forte como se pudesse enviar alguma mensagem via batimentos cardíacos, mesmo quando a garota lhe sussurrara que precisava conversar com ela mais tarde. Bom, se era para Zoey ficar mais tranquila, aquilo não estava funcionando, nem quando Rune sorriu como dissesse não é nada demais. Se não fosse, não teria sussurrado com um tom de ressentimento.

— Leif disse que está tudo bem. – disse Danelle ao encobrir uma fresta da janela com a cortina.

Zoey soltou um suspiro tremulo, colocando chumaços de cabelo atrás das orelhas, e olhou para Lucca sentado na poltrona. A atmosfera parecia como o hálito de algo ruim – não cheirava tão bem, mas o perfume era tênue também -, a expressão de todos ali presentes parecia um tormento de quem não gostava de notícias tempestuosas. Zoey e Yiriz eram os únicos que não haviam recebido a notícia inédita de um monstro de matéria-escura que surgira no bueiro onde o grupo de Rune estava responsável por investigar – onde, talvez, um alquimista estivesse se escondendo por lá, além de ser um possível jogador.

Nenhum dos grupos podia continuar com as investigações sem antes mudar completamente os planos depois que o Ceifador apareceu na casa de Zoey. Não tinha conseguido dormir outra vez; não conseguia nem mesmo se deitar na mesma cama em que aquele homem tinha sentado com tanta despreocupação.

— Só temos quatro dias até o festival – disse Christopher sentado na beirada da escada que levava ao outro andar da sala, com Misha ao seu lado. Seu olhar encontrou-se com o de Zoey, e ela trincou os dentes. – E não encontramos as datas corretas para Sextante e nem o paradeiro das outras peças.

— O correto seria criar uma emboscada para o Ceifador. – Kahi estava com as pernas e braços cruzados numa cadeira ao lado da poltrona de Lucca. – Podemos utilizar os restos dos cristais para fingir que ambos não foram quebrados ainda, enquanto podemos utilizar datas falsas de Sextante para conseguirmos aprisionar o Ceifador, obrigando-o a contar o que sabe.

— Não é tão ruim – disse Kira ao lado de Danelle. Zoey deu uma olhada de relance para ela; a mulher não parecia ter dormido muito bem nesses dias, as bolsas sob os olhos estavam mais escuras como um borrão de maquiagem sobre a pele pálida. – Usaríamos o Ceifador como isca para que os outros jogadores se movam. – Ela apontou para Zoey com o queixo. – Zoey dissera que aquela rainha precisava de "linhas" dos jogadores, e se precisamos eliminar todas as peças, podemos fazê-lo de uma vez só, sobrando, por fim, apenas o Ceifador.

Their war, our curse - FBTG Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora