A fenda se fechou como uma ferida sendo costurada.
O hálito de Zoey se condensou diante da boca, os pelos eriçando sob a blusa de frio de lã – e agradeceu, em partes, por ter que usar aquela roupa devido ao braço machucado.
Rune se agarrou ao seu braço esquerdo quando se virou, os olhos se ajustando na escuridão, quando luzes azuis e brancas iluminaram o que Zoey chamaria aquilo de caverna. Chamas crepitantes azul e branca dançavam nas paredes grotescas arqueadas, iluminando o corredor enquanto Cassandra e Arhuem caminhavam lá na frente, e Zoey olhou para baixo, degraus largos de pedra. Os passos ecoavam enquanto desciam, e ela observou a gruta. O teto era alto, fazendo-a se sentir pequena, o ar mais úmido do que lá na ilha. Como era possível existir um lugar desses ali? Todos os anos ela visitava, e mesmo assim... Bem, depois do que o brinco de Cassandra fizera, parecia óbvio nunca terem visto aquela ruptura.
— Por que estão nos ajudando? – a voz de Lucca ecoou.
Cassandra e Arhuem desciam os degraus como se estivessem em casa.
— Estamos nessa Camada por outro motivo – disse a menina sem olhar para trás.
— Imagino que sim – Yiriz soltou uma risadinha sem emoção, revirando os olhos.
— Estamos procurando por alguém, e não por algo, como na última vez – Cassandra olhou para as chamas nas paredes. — Não é isso o que dizem? O tempo é a resposta para tudo. Mas é preciso de alguém para achá-la. Não esperem que eu tenha a solução para os seus problemas. Estou aqui para um único propósito, e ajudá-los é uma questão de modéstia. Aceitem ou irei embora.
— Você não vai embora, sua criatura grosseira − Yiriz interveio, a garganta oscilando. − Você vai libertar Kalhy. Nem que eu precise virar outra criatura na frente da minha conjuradora, você vai libertar Kalhy.
— Yiriz – Zoey segurou a mão dele, o rapaz comprimindo os lábios, como se conter estivesse dependendo de sua pouca força de vontade. – Ela não vai embora. Eu disse que conjuraria o Canis Major se ela o fizesse.
— Ui – Arhuem cutucou Cassandra com o cotovelo. A menina deu um chute na panturrilha dele.
Os degraus acabaram, dando a visão para um grande espaço de chão de pedra e, logo a frente como uma imensa muralha, uma porta repleta de ornamentos e desenhos se estendia até onde os olhos de Zoey conseguiam enxergar, a boca entreaberta. Cassandra e Arhuem tomaram a frente novamente; a garota apenas tocou no portal e ele se abriu, um fio de luz atravessando o chão de pedra – e eles atravessaram.
Zoey piscou várias vezes, colocando a mão no topo da cabeça para conseguir enxergar, o ar escapando de seus pulmões. Além da porta guardava um grande salão, o teto da cor azul tão alto quanto do lado de fora salpicada por estrelas que brilhavam de todas as cores, e um objeto gigantesco pendia do teto como um lustre de discos cruzando-se um ao outro. As paredes ao redor eram lisas e cinzentas, e na parede do outro lado do espaço havia cinco grandes entradas arqueadas compridas, levando a corredores escuros. O salão era iluminado por uma janelinha no alto de uma parede, redonda, os raios de sol direcionados ao centro do chão liso, e Zoey quase engasgou ao abaixar o olhar.
O piso parecia como uma história contada em uma pintura — e se mexia. Ela arregalou os olhos e agachou, tocando no chão frio, vendo mariposas voarem sob seus dedos.
— Minhas estrelas...
— Isso aí é a história se movendo em tempo real – disse Arhuem. – Todas as Marcas do Tempo têm um chão assim. Legal, né?
— A história? – exclamou Rune ao lado de Zoey, o rosto mergulhado na maravilha que se movia abaixo deles.
— Será que conseguimos identificar algum jogador por aqui? – Nea falou.
— Vocês teriam que ser muito rápidos para isso – Arhuem abaixou-se perto de Rune e Zoey, como se estivesse entretido com uma arraia voando solene acima de um castelo antigo. – Aqui é a Romênia, especificamente em-
— Não temos muito tempo, Arhuem – alertou a voz de Cassandra, os olhos de Zoey tentando se desgrudar do chão para a garota. – Prestem atenção, todos vocês.
Zoey se ergueu, suspirando com um sorriso. Era como se tivessem atravessado um portal para outro planeta, ou uma dimensão, ou...
— Zoey. Venha até aqui – Cassandra a encarou; Arhuem estalou a língua, e a garota revirou os olhos com tédio. – Por favor.
Zoey franziu a testa e caminhou até ela, observando um vazio ao lado de uma das entradas para corredores além. Aquele pedaço da parede lisa tinha mecanismos em formatos de anéis conectados por um fio que brilhava em dourado com a luz amarelada do sol.
— Eu havia falado sobre sangue ser o histórico das gerações passadas, mas não vou precisar dele realmente para acessar às memórias – Cassandra estendeu a palma com o brinco para Zoey. – O acesso aqui funciona a partir de seu antecedente, ou seja, seus pais. A primeira memória será a que causou uma Marca do Tempo na Linha do Tempo de seus pais; mais especificamente a sua mãe.
Zoey trincou os dentes, fitando Cassandra.
— Eu ainda... não sei quem era a minha mãe.
Os olhos céticos da garota se suavizaram com uma sombra de compreensão.
— Ninguém vai te julgar. A mãe que você sempre amou importa mais do que qualquer laço sanguíneo.
Zoey suspirou, sentindo os olhos arderem. Ela retirou Noir da orelha – ela percebera que era ele à esquerda porque, sempre quando o beijava para voltar a ser joia, ficava mais frio do que era com Amren. – e o trocou pelo brinco de argola, o lóbulo formigando. Os anéis dos mecanismos emitiram um ruído metálico e começaram a se mover na parede lisa, a parte interna brilhando com luz branca.
Zoey cerrou os punhos, o coração trovejando, os olhos acompanhando com os movimentos rápidos dos anéis dançando, o formigamento espalhando-se por toda a orelha.
Então tudo ficou escuro. Alguém além dela arquejou; e uma das entradas ao lado se acendeu como uma lâmpada fraca.
Zoey procurou pelos olhos de Cassandra, as sombras delineando o rosto delicado e frio dela.
— As memórias só funcionam se você for; apenas você. O resto de nós vai acompanhar pelo chão.
Zoey assentiu, virando o rosto. Alguns olhavam para a entrada acesa, os rostos iluminados pelos anéis na parede. Seu olhar encontrou-se, então, com Rune que ergueu o dedo polegar, com Lucca, sorrindo com a cabeça inclinada para o lado. Seus olhos foram capturados pelo verde brilhante de Yiriz, que a fitava com uma expressão receosa, a garganta oscilando. Mesmo que ele não pudesse escutá-la mentalmente, apenas disse que estava tudo bem.
Zoey respirou fundo e marchou até a entrada. A luz era da cor pêssego, a sensação de estar quente, e ela não pensou duas vezes; deu um passo adiante e tudo se apagou.
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Their war, our curse - FBTG Livro 3
FantasyUma estrela cadente - um prelúdio do fim ou do começo? ★ CONFIRA A SINOPSE COMPLETA ★