PODE SER UMA AMIZADE

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Esse era o lugar mais incrível da nave. Carol pronunciava essas palavras em um sussurro admirado, quase reverente, enquanto seus olhos vagavam pela imensa biblioteca, onde Daniel a havia levado.

A sala era uma obra-prima da arquitetura alienígena, com prateleiras que pareciam tocar o céu, repletas de livros que iam do mais antigo ao mais atualizado, formando um círculo perfeito ao redor da sala.

Os livros, alguns com capas de couro desgastadas, outros com detalhes em ouro, pareciam conter segredos milenares, intocados pela humanidade.

O chão era de um mármore negro, polido a ponto de refletir as prateleiras e os lustres que pendiam do teto como estrelas distantes. O lustre em cristal, em formato de globo triplo com espirais intrincadas, lançava uma luz suave que criava sombras misteriosas, dando ao ambiente uma aura ao mesmo tempo calma e assombrosa.

— Gostou? — Daniel perguntou, sentando-se em um dos sofás de veludo azul-marinho, que se destacavam no centro da sala como ilhas de conforto em um mar de mistério.

— Sou apaixonada por livros. Como não amar esse lugar? — Ela falou, sua voz carregada de emoção, enquanto caminhava pelo espaço e tocava delicadamente os livros, como se fossem relíquias sagradas.

Carol subiu em uma escada com rodinhas, deslizando suavemente enquanto seus dedos percorriam as lombadas dos livros. Cada título que ela lia era uma nova descoberta, e seu coração acelerava com a emoção de estar em um lugar tão extraordinário.

De repente, algo chamou sua atenção. Seus olhos brilharam com a excitação.

— Meu Deus, vocês têm essa edição? — Ela gritou do alto da escada, sua voz ecoando pelas paredes de mármore. — Ching! Eu já ouvi falar desse livro, mas nunca tinha visto um de perto.

Daniel, sentado ao longe, apenas sorria. A empolgação de Carol era contagiante. Ela parecia uma criança em um parque de diversões, uma visão que aquecia seu coração de formas que ele não podia admitir.

— Traduzindo geralmente como “Livros das Mutações” ou “Clássico das Mutações”, é um texto clássico chinês composto de várias camadas sobrepostas ao longo do tempo, considerado um dos mais antigos e importantes livros de filosofia chinesa.

Ela aproximou o livro do nariz e inalou profundamente, fechando os olhos ao sentir o cheiro característico de papel antigo, uma mania que cultivava desde criança. Para ela, não havia sensação mais agradável.

Ela devolveu o livro à prateleira e continuou sua exploração pela biblioteca. Os livros estavam organizados de acordo com os anos e os temas, e havia de tudo: histórias dos planetas, literárias, atuais, antigas, e religiosas.

Carol desceu da escada e correu para o outro lado da sala, onde uma placa indicava: “Livros de Netuno”. Seus dedos deslizavam pelas lombadas com curiosidade.

— Daniel, aqui é incrível, mas não vejo motivo algum para a gente ter se afastado do nada. — Ela disse, concentrada em um dos livros que havia puxado da prateleira. O título dizia: “Verdades e Mentiras de Netuno”.

Se pudesse, Carol teria ficado ali para sempre, imersa naquele universo de conhecimento e mistério. Mas algo a incomodava.

— Acho que tem livros que você não está preparada para ler. — Daniel respondeu, aproximando-se e pegando o livro de suas mãos com cuidado. — Vem, tenho que te mostrar algo.

Ele a conduziu até um dos sofás e entregou-lhe um livro de capa simples, com poucas páginas.

Ela o encarou, confusa.

— Cartas de Mixcoatl: Por que existem as seleções? — Carol leu o título em voz alta, com a testa franzida atônita.

— Meus pais me deram esse livro quando os questionei sobre me casar com alguém que não amo. Eu estava prestes a me rebelar e fugir com você...

— Mas por que você faria isso? — Ela perguntou, surpresa, sentindo seu coração acelerar de novo, mas dessa vez por razões diferentes.

—  Você é tão inocente assim? — Daniel a fitou com uma seriedade que fez o ar parecer mais pesado. — Eu te amo, Carol, e faria qualquer coisa para ficar ao seu lado, mas não podemos...

As palavras de Daniel atingiram Carol como um golpe. Ela sabia que essa conversa estava se encaminhando para um ponto sem retorno. Sentiu um nó na garganta, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas.

A situação era ao mesmo tempo triste e irônica. Ela, que havia chegado à nave há poucos meses como uma menina cheia de medo, percebeu que esse medo era, na verdade, um preconceito que ela mesma havia construído com base no que a sociedade lhe mostrava.
Tudo o que imaginava sobre eles era completamente diferente da realidade.
Apesar de serem de outro mundo, eles eram pessoas com sentimentos, capazes de serem bons ou maus, como qualquer ser humano. A única diferença era sua origem. Isso a fez perceber que muitas vezes nossos preconceitos nos afastam de experiências incríveis, simplesmente porque somos condicionados a seguir padrões inalcançáveis, sem sequer questionar para onde estamos indo.

Mas ainda assim uma pontada de dúvida preenchia o seu coração.

Será que também isso tinha a ver com a nova convidada, Samire?

— E a Samira? — Ela perguntou, sorrindo levemente, quebrando o clima pesado que havia se formado. — Vocês têm alguma coisa?

Daniel soltou uma risada genuína, balançando a cabeça.

— Samire? Ela é como uma irmã para mim. Nós dois crescemos juntos. Acredite, não poderia haver algo mais distante de romance entre nós.

Carol riu junto, sentindo-se mais leve.

— Ah, bom, porque ela parece ser uma boa pessoa, mas... só como irmã, né? —  Brincou.

Daniel apenas sorriu e continuou, agora mais sério.

— Eu te amo, Carol. Faria qualquer coisa para ficar ao seu lado, mas não podemos... — A voz de Daniel vacilou por um instante, e ele respirou fundo antes de continuar. — A questão não é Samira, ou qualquer outra garota. Quem dera fosse apenas o caso de alguém roubar meu coração. Mas é muito mais complicado do que isso...

Naquele momento, Carol percebeu que, mesmo que nunca ficasse com Daniel, ela sempre sentiria um carinho imenso por ele. Querendo ou não, ele foi seu primeiro amor, e ela sabia que era impossível eles ficarem juntos. Ela não precisava ler aquele livro, ele não precisava explicar mais nada, pois ela nunca iria para outro planeta, nunca se casaria com um deles. Não porque eles eram alienígenas, mas porque ela queria construir uma vida, ser alguém, ajudar a pessoa que era mais importante para ela: Dany.

—  Você ouviu o que eu disse? — A voz de Daniel a trouxe de volta ao presente.

Ela se levantou e o abraçou com força, sentindo o calor de seu corpo e o cheiro familiar de morango de seus cachos.

Daniel, confuso, retribuiu o abraço, mas ao se afastar um pouco, viu as lágrimas escorrendo pelo rosto dela. O choro, porém, não parecia tristeza.

— Daniel, obrigada. — Ela disse, sorrindo através das lágrimas.

— Pelo quê? — Ele perguntou, limpando delicadamente as lágrimas do rosto dela com o polegar. 

— Por ser essa pessoa incrível. — Ela respondeu, seus olhos fixos nos dele. — Você não precisa explicar por que não podemos ficar juntos. Eu entendo seus deveres. Sei que ser um príncipe te dá grandes responsabilidades...

— Você seria a minha garota perfeita. — Ele suspirou, triste. — Você está certa. Eu não posso abandonar tudo. Milhares de pessoas dependem de mim.

— Eu sei. — Ela sentia uma paz estranha, uma aceitação de que, mesmo que eles nunca ficassem juntos, sempre guardaria aquele amor como uma lembrança preciosa.

Por que não estou triste? Me sinto tão de paz.

— Espero que encontre alguém que mereça receber esse carinho, pois você é um cavalheiro. — Ela piscou para ele, tentando aliviar a tensão.

— Você também. — Ele disse, inclinando-se para dar um beijo doce e rápido nos lábios dela.

Em seguida, a abraçou com força, como se quisesse guardar aquela lembrança para sempre.

—Se você voltar à Terra, venha me visitar. Só que dessa vez, na Terra. Não quero entrar em uma nave nunca mais. — Ela brincou, rindo através das lágrimas.

— Ok. E se um dia resolver visitar meu planeta, venha me visitar... — Ele provocou, com um sorriso triste.

— Nunca precisou. Não faço questão de sair da Terra nunca mais. Para mim, esses seis meses já foram suficientes.
Ele riu, pegando a mão dela, para um breve e doce beijo.

— Nunca ter esquecerei minha garota de olhos grandes castanhos.

— Nem eu meu, príncipe dos olhos negros. — Ela fez uma reverencia toda desajeitada.

Eles riram juntos, um riso que era ao mesmo tempo de alívio e de despedida. Podiam não ser um amor eterno, e talvez nunca mais se veriam, mas aquela amizade, aquela conexão profunda, ficaria para sempre em seus corações.

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(Revisado)

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