OLHOS NEGROS ( Revisando)

DIÁRIO PERDIDO

Querido Diário,

Hoje senti nosso bebê mexer pela primeira vez, e foi um momento que encheu meu coração de alegria, mas também de medo.

A sensação foi tão suave, quase como um lembrete gentil de que uma nova vida está crescendo dentro de mim.
Seu pai saiu para buscar lenha, e enquanto ele estava fora, não pude deixar de pensar em como somos sortudos por termos a família Crusty ao nosso lado.

Sem a ajuda deles, eu nem consigo imaginar como teríamos sobrevivido até agora. Eu sinto uma gratidão profunda por tudo o que têm feito por nós.

Enquanto Theo estava fora, não pude deixar de rir ao pensar nele, um sonhador incorrigível e nada maduro. Esses dias, estávamos conversando sobre o nome que escolheríamos para você.

Ele até brincou dizendo que seu nome poderia ser Theo Segundo, e se você fosse uma menina, Thea.

Eu ri muito, mas claro, disse que isso estava fora de cogitação.

Pensando melhor, acho que vou te chamar de Katharine, se você for uma menina, em homenagem à minha bisavó, que foi a pessoa mais incrível que já conheci. E se você for um menino, seu nome será como o primeiro como o primeiro Nertuliano: Mixcoatl, um nome forte e cheio de história.

Engraçado, bebê, seu pai acredita que você será uma menina e já até imagina tudo o que vai te ensinar sobre arte. A ironia é que ele antes odiava arte e só frequentava as aulas por minha causa.

Agora, parece estar se apaixonando por essa matéria.

Sabe, bebê, não sei se algum dia vamos nos encontrar. A vida do seu pai e a minha foram marcadas pela morte, pelos seus avós.

Então, quero te contar a nossa história.

Meu nome é Alba Abollyan.

Quero que saiba algo importante: eu sou negra, não sou morena, nem parda. Sua mãe é negra, e espero que isso seja motivo de orgulho para você.

Sabe porque estou dizendo isso? Porque minha cor foi um dos motivos que desencadeou uma guerra, começando pela cor e depois pelo poder.

Então, bebê, vou te contar a história do seu pai e a minha, como começou tudo há alguns anos.

Eu conheci Theo durante uma de suas viagens ao nosso país, Cristal. Ele estava cavalgando sozinho perto da cachoeira, um lugar proibido por sinal, pois a cachoeira purifica a água do nosso país, a qual reutilizamos.

Eu estava brincando de pique-esconde com minha babá Freda quando ouvi o cavalo se aproximando. Vestida como uma cidadã comum para não ser reconhecida, corri até o local onde um grupo de homens estava.

— Ei! — eu gritei para um rapaz que se aproximava da cachoeira. — O que pensa que está fazendo?

Ele parou e virou-se para mim, pasmo, como se eu estivesse louca.

— Sabe com quem está falando, garota?

— Sei, um babaca sem noção que está mexendo onde não deve.

Ele se aproximou, e eu peguei um pedaço de madeira, ameaçando-o. Pois é, bebê, sua mãe sabe se defender como ninguém.

Aquele rapaz era branco como a neve, com olhos em tons de violeta, era forte e tinha um sorriso debochado que eu gostaria de apagar com um soco.

— Vejo que não é daqui, minha cara, porque vim aqui a negócios.

Eu ri, como uma criança teria negócios? Ele parecia ter a minha idade.

— Não me interessa que tipo de negócio você tenha aqui. — Comentei, parecia ser um deboche. —Esse lugar é proibido para visita.

— O que uma mera cidadã sabe sobre este local?

Como é? Pensei arqueando as sobrancelhas

— Vejo que você é esnobe. Eu vivo neste país e posso opinar sobre ele quando quiser.

Bom, bebê, isso não é totalmente verdade. Nosso país tem três grandes famílias que se casam entre si para evitar que o povo opine. Assim, todos têm a falsa ilusão de liberdade de opinião, e todos ficam felizes.

Sim, bebê, nossa família é falsa.

Voltando ao rapaz abusado, eu arremessei a madeira na cabeça dele, e ele desmaiou. Minha babá encontrou-nos e descobrimos que ele era o filho do presidente Lorenzo Suvany, um homem arrogante, ambicioso e muito preconceituoso.

Minha babá cuidou dele para que ninguém soubesse o que eu tinha feito. Quando ele acordou, ela pediu desculpas, e ele aceitou com uma condição: que eu o apresentasse ao meu país.