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— E você, Beyond? – Indagou Watari, tentando melhorar o clima do ambiente ao mudar de assunto.

— Legal. – Respondeu simples, um tanto surpreso com a própria conclusão a respeito de tudo.

— Porque? – Fora a vez de Matt perguntar, deixando-o momentaneamente em dúvida pois, assim como ele, também estava confuso e aquilo lhe fazia pensar concernente ao conteúdo daquele pequeno guardanapo. Até então, não havia conseguido se desfazer dele...

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Não gostava de muitas coisas. Não gostava de pessoas no geral, nem mesmo de animais, de coisas muito coloridas ou barulhentas, muito calmas e tranquilas ou agitadas e alegres. Todavia, se havia algo de que gostava, era de cozinhar. Sequer se lembrava de quando aprendera a preparar seu próprio alimento, no entanto bem sabia que já o fazia, tanto para si quanto para L, desde muito pequeno. A adversidade é a melhor escola da vida, disto tenham certeza. Atualmente, podia fazer qualquer tipo de prato fosse quente ou gelado; doce, salgado ou agridoce; tivesse a receita ou não, era perfeitamente capaz. E não era somente isto. Não se restringia apenas a realizar, a fazer; não era um homem exigente, porém relativo a gastronomia, ansiava e obrigava-se a perfeição. Não aceitava menos do que primor. A culinária para si, assim como a literatura, a arte e a pintura, não somente eram meios de expressão, era liberdade em sua forma singela e legal. Sentia-se livre com a violência, era uma maneira não saudável e igualmente efetiva que havia encontrado para extravasar a raiva. Gostava de machucar e assustar as pessoas, gostava de sangue, seu cheiro, aspecto, gosto e cor, gostava do controle e do poder que tinha ao agredir um homem (porque não se satisfazia ao violentar mulheres) e gostava dos gritos e dos olhares amedrontados a ele dedicados ao feri-los. Era excitante, de fato se sentia sexualmente incitado. Entretanto, sabia que era ruim. Aquilo fazia mal a sua alma, chateava Watari e seus irmãos. Era errado e tinha ciência disto, portanto tentava evitar ao máximo perder o controle, por mais que gostasse. Porque Beyond não enxergava a moral como era, a ética como deveria ser interpretada, Beyond as via como limitações e restrições enfadonhas, abusivas e cruéis, completamente frustrantes. E era exatamente por isto que gostava de culinária. Desde que se recordava, sempre seguira Lawliet. Abdicava de suas vontades para satisfazer as suas, abandonara seus sonhos para se certificar que os dele se consumariam. Não tinha interesses fora os de L, não tinha querer fora dos de seus irmãos e Watari, não havia nada para si depois disto. Exceto a gastronomia. Pois Lawliet não sabia e nunca aprenderia a cozinhar, bem como pintar e não se interessava por literatura. Era um espaço somente seu. Quando cozinhava podia ser quem era e aquilo não machucava ou decepcionava ninguém. Era sua liberdade legalizada, tão prazerosa quanto a putrefata e imoral. Não tinha de resolver problemas fora os seus, não tinha de cuidar de ninguém fora ele mesmo. Era o único momento em que gostava de estar só, em que gostava de si e sua companhia. Quando pintava, quando lia, quando escrevia e cozinhava, tudo se calava. Não se lembrava de sua mãe, de seu pai, podia esquecer-se de L e suas responsabilidades para com ele. Não haviam traumas ou restrições, amarras ou pesadelos. Era apenas uma calmaria, uma paz constante e aprazível.

Sua primeira aula de economia doméstica seria na sexta-feira, após as demais. Em sua turma, somente haviam mulheres de pequeno porte, todas quase que iguais. Não diferia pratricinhas e Barbies com muita exatidão. Na verdade, todas as garotas daquela escola lhe pareciam cópias de uma original, esta cujo ainda não encontrara qual. Até mesmo sua professora também se camuflava bem entre as estudantes.

A jovem e atraente mulher pôs-se a frente da sala, se apresentando e revelando seu nome que não tentara decorar e boa parte de sua vida profissional que, mesmo se fosse relevante ao momento, não se importara o suficiente para prestar atenção. Seus olhos preferiram analisar o local, as bancadas e os caros utensílios que ali estavam dispostos. No início se negara a escrever uma carta de apresentação e recusara veementemente prestar o exame admissional para ingressar naquela escola, afirmando que deveria realizar um supletivo de uma vez e começar logo a trabalhar. Não podia ser um estorvo para sempre. No entanto, não apenas sabia o quão desvalorizado seria no mercado de trabalho se assim fizesse, como fora convencido pela grade curricular de literatura, pelo enorme estúdio de artes e a gigantesca verba destinada a sala de cozinha. Ao observar a aparente qualidade dos fogões, das panelas e do frigorífico do ambiente, teve quase certeza que fizera a escolha correta. Provavelmente, pensou ao contar a quantidade de pessoas e comparando-a com o número de bancadas, trabalhariam em duplas.

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