Desisto

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Aquele era seu castigo. Conseguira manter seu segredo por quase um ano, carregara seu fardo por todo aquele tempo, apenas revelando-o para trazer certa paz e conforto ao seu coração machucado, na esperança de, simultaneamente, tornar-se mais próximo de B para que ele assim também se permitisse. No entanto, por descuido ou ignorância, não considerara que seu irmão fosse mudar seu comportamento em relação a si daquela maneira tão descarada e abrupta. Beyond se tornara excessivamente brando, gentil, talvez até mesmo delicado, tratando-o com tanto cuidado e zelo quanto se dirigia a Near, possivelmente até mais se considerado o remorso que de algum modo ele parecia demonstrar, ainda que Matt não o compreendesse. Isto, por si só, era algo positivo, ou ao menos considerara a princípio, percebendo a situação não apenas como vantajosa para si, não que, obviamente, fosse tirar proveito da falta de discernimento que ele aparentava ter consigo, como demasiadamente oportuna, afinal acreditava que quanto mais próximos fossem, mais fácil seria ajudá-lo a resolver seus problemas (assim que B se permitisse compartilhá-los consigo). Entretanto, indubitavelmente não considerara que Beyond fosse desenvolver uma visão tão frágil e inconfiável de si, como se Mail fosse o maior dos viciados que precisava ser constantemente vigiado para não cair em tentação novamente, como se fosse ceder e retornar a se drogar na mais fútil e complacente provação. Então, como se sua desconfiança e subestimação não lhe fossem ultrajantes e desgostosas o suficiente, ele lhe dera um castigo, uma punição tão humilhante e dolorosa quanto o possível.

Injuriado com a situação que lhe fora imposta, Matt adentrara seu quarto a passos largos e duros, ficando ainda mais incomodado e irritadiço quando o avistara ali, em pé, ao lado do guarda roupa, dobrando suas vestes e as organizando sistematicamente dentro das gavetas gastas do móvel velho. Decidido a ignora-lo, o ruivo subira em sua cama pela pequena escada ao lado esquerdo da beliche, tendo de remover o amontoado de tralhas que sempre largava em meio aos lençóis para se deitar. Eram opostos estranhamente compatíveis. Enquanto sua cama era um caos de roupas sujas e amarrotadas, com meias e casacos jogados e pendurados nas tábuas da parte superior da beliche e componentes de computador e eletrônicos, como fios, cabos e até placas espalhadas por todo os pequenos cantos que podia chamar de seu naquele cômodo, as partes de Mihael eram demasiadamente limpas e arrumadas. Sua cama estava sempre feita, limpa, com lençóis lavados e cheirosos, bem como suas vestes, bem organizadas e perfeitamente dobradas ou dispostas em todo o armário que, em tese, também deveria ser seu. A única parte que Matt realmente se importava em manter asseada e organizada era a escrivaninha onde seu computador e alguns objetos valiosos, como jogos e consoles, estavam. No entanto, por mais inacreditável que pudesse ser, quase não discutiam em relação ao cômodo. Mail permitia que Mello ficasse com o que quisesse, com as prateleiras, o armário, o cabide atrás da porta, a mesa de cabeceira ao lado da cama, tudo o pertencia e poderia ser arrumado como ele bem quisesse. Em troca, o loiro não reclamava quando algumas de suas roupas ficavam ao chão por poucos dias, com a bagunça em sua cama e tampouco se aproximava de seus bens na escrivaninha. De todo modo, ainda estavam brigados e não queria vê-lo, tampouco falar com ele. Estava tão incomumente irritado que resolvera ficar de costas para o loiro, mastigando o palito entre seus dentes para descontar sua inquietação.

Certamente percebendo sua irritação inabitual, evidente pelo palito entre seus dentes que era violentamente mastigado para descontar a ansiedade, seus passos pesados e barulhentos, além do fato de se deitar de costas para ele, virado para o vazio da parede clara, ainda que manchada por dedos infantis e deterioração do tempo e umidade, Mihael murmurara provocativo, com nítida satisfação em lhe atormentar. — Não vai se arrumar? – Indagou se referindo a festa que fora convidado e, tão rapidamente quanto, proibido de ir. Claro, sem a sua companhia.

— Vai se foder, Mihael. – Replicou explicitamente mal-humorado, ainda que com certo cansaço. – Eu não vou implorar pra você ir comigo. – Anunciou séria e calmamente, resignando-se a dormir. Não desobedeceria B, até mesmo já havia informado Jack que não iria, e muito menos arriscaria sua rasa e medíocre dignidade a pedir a alguém que estava brigado para lhe fazer um favor. Já havia se decidido: não iria ceder.

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