Perfeito

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Ultimamente, a alegria de Light estava sendo lhe incomodar. A todo e qualquer momento, bastasse estar sozinho, Yagami conseguia lhe encontrar e começava a lhe importunar com monólogos irritantes e com certo viés indecente que se repetiam com um padrão reconhecível. Ele sempre se aproximava de forma inconveniente, lhe tocando ou invadindo seu espaço pessoal, depois prosseguia para um discurso quase afetuoso e muito gentil, embora tendencioso e com algum tipo de conotação de sexual. No entanto, naquele dia, houvera um terceiro passo até então inexplorado. Lawliet se sentara habitualmente esparramado em cima da mesa da biblioteca em uma aula de literatura em que foram dispensados mais cedo, não tardando muito para ser assustado pelo japonês que sorrateiramente se esgueirara por detrás de si. Já estava se acostumando com sua nova incômoda mania de lhe acariciar as costas e o pescoço que, daquela vez, sequer se remexera em desgosto. Em resposta a aquela estratégia invasiva, Lawliet pretendia se fingir de morto na esperança de entediá-lo ou aborrecê-lo com a desconsideração o suficiente para fazê-lo se retirar. Entretanto, deve-se salientar que ele estava, além de mais atraente e enfadonho do que outrora, muito mais esperto, e provavelmente previra sua defesa. Se havia algo que cedo ou tarde lhe mataria, com exceção de seu ego, seria sua curiosidade. Ao chegar na mesa em que estava debruçado, Light dispôs uma espécie de tabuleiro a sua frente, e L não resistiu a curiosidade de averiguar do que se tratava o objeto que, pelo som que fizera ao ser posto, parecia conter várias peças de porcelanato dentro de si. Quando se dera por si, sua cabeça já havia se levantado o suficiente para que seus grandes olhinhos negros pudessem constatar a caixa a poucos centímetros de si, bem como o garoto a sua frente que estampava um lindo e genuíno sorriso, contente demais por ter conseguido sua atenção para que pudesse ocultar suas verdadeiras intenções.

— Já jogou Shogi? – Questionou Light amigavelmente embora soubesse que não obteria uma resposta, sentando-se a sua frente e abrindo a caixa de tabuleiro onde o jogo estava armazenado. – Meu pai me ensinou quando eu tinha seis anos. Segundo ele, o pai dele também o ensinara nesta idade e eu devo o fazer com meus filhos quando chegar a hora. – Comentou levianamente, não lhe parecendo tão arrogante quanto achou que soaria a princípio, começando a dispor os elementos do jogo acima da mesa. – É um jogo de estratégia, praticamente uma versão japonesa do xadrez, só que muito mais difícil. – Acrescentou simpático com o verdadeiro intuito de lhe fazer se interessar, conseguindo conquistar sua atenção pelo formato inusitado das peças de porcelanato. Lawliet se remexeu na mesa, demonstrando curiosidade ao erguer seu tronco consideravelmente, tentando enxergar o conteúdo da caixa mais minuciosamente. – Como você é muito bom em xadrez, eu pensei que pudéssemos jogar juntos. Acho que você vai gostar de ganhar de mim em um jogo diferente, pra variar... – Conquanto desconfiasse de suas intenções, L não pode conter a necessidade de averiguar sua expressão, observando seu semblante sereno e incrivelmente bem-humorado. Inusitadamente, Light não parecia aborrecido ou rancoroso em admitir seu histórico de derrotas. Na verdade, ele lhe parecia suspeitosamente contente, não do jeito presunçoso e malicioso como nos dias anteriores, mas sim simples e puramente feliz. Por alguns momentos, L se perguntou se ele queria dizer algo com aquilo, contudo acabou relevando quando ele lhe mostrou as pequenas peças. Sem conseguir se conter, Lawliet se aproximou do tabuleiro receosamente, pegando uma pequena pedra, um pouco mais pesada do que imaginava, com uma gravura em Kanji, supunha, embora não soubesse afirmar com certeza. – É uma torre. – Explicou Yagami educadamente. – Como no xadrez, ela também se move vertical ou horizontalmente. – L levou o polegar os lábios, rodeando-os conforme tentava memorizar a escrita daquela peça. Implicitamente condescendente ao desafio, dispôs a pedra de porcelanato a sua frente na mesa, escolhendo outra dentro da caixa com uma gravura diferente, como se pedisse a Light que lhe explicasse o que significava a gravura acima dela e como a movimentar no tabuleiro. – General Dourado. – Respondeu ao compreender seu mudo pedido. – É parecido com o rei do xadrez, se move uma casa na horizontal e na vertical, ou diagonalmente para a frente. – Lawliet a colocou ao lado de sua torre, pegando outra peça na caixa. – Lança. Anda para frente, por qualquer número de casas. – Explicou o japonês, seguindo assim sucessivamente até que L houvesse terminado de “indagar” sobre cada peça. Yagami também lhe deu mais dois generais, um dourado e um prateado, um cavaleiro, outra lança e mais oito peões, ajudando-o a organizar as peças no tabuleiro. Cada pedra de formato pentagonal irregular possuía um ímã dentro, que facilitava sua disposição e impedia que elas caíssem ou escorregassem, bem como as gravuras, que indicavam sua hierarquia, e sempre deveriam apontar para o oponente. Também explicara o sistema de promoção das peças e o objetivo do jogo, imaginando que Lawliet teria facilidade por ser muito familiarizado com xadrez.

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