Luz

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Estava cansado, de fato. Seu corpo estava amortecido, lento, pesado, não respondia corretamente aos comandos enviados por seu cérebro, nem os mais breves e triviais movimentos. Sua pele também lhe parecia mais irritada e sensível do que o normal, parecia sentir a aspereza do lençol com mais intensidade, o envolver macio e mórbido do coxim, além do tecido de suas vestes que lhe cingiam. Tudo parecia mais suscetível a percepção e a uma quase iminente irritação. E tão claro quanto lhe parecia esta perturbação, era evidente sua causa, sua razão, tal qual todos os outros aspectos de sua vida que giravam em torno de uma única estrela: Light. Tinha chego ao seu limite, Yagami lhe fizera chegar ao limite, ao abismo a qual Lawliet tinha coragem o suficiente para encarar de volta e prudência em escassez para se jogar. Não poderia simplesmente se dar ao luxo de desistir depois de tudo, não àquela altura, não após tanto suportar. Se faltasse ao colégio, seria o mesmo que trapacear, tirar de Light o direito de ganhar, como quem aposta uma corrida e impede no trajeto adversário o acesso à linha de chegada. Por mais que quisesse vencer, o faria a maneira certa. Ademais, antes de tudo, deve-se salientar, de nada adiantaria uma vitória naquelas circunstâncias, afinal conhecendo Yagami ele não a aceitaria e exigiria uma nova disputa e isto definitivamente não poderia suportar.

Conquanto com nítida inquietude e com certo cambalear, L se pôs a caminho da cozinha, sentindo-se aliviado quando pudera avistar Near em cima da mesa de jantar montando uma enorme cidadezinha de pecinhas, enquanto Beyond estava terminando de preparar algumas panquecas. Ao que tudo indicava, seria um café da manhã tranquilo e o mais silencioso possível dentro das limitações e natureza de seus irmãos.

— Já terminou? – Questionou Nate ao ouvir B organizar a pequena bancada da cozinha, guardando alguns talheres e potes que utilizara na preparação das torradas e panquecas. Sua fala se dava em razão das casinhas que montava na mesa e, principalmente, das dezenas de peças que se espalhavam por sua extensão representando as ciclovias e parques, o que certamente atrapalharia a refeição. Lawliet se sentou ao seu lado direito, se limitando a observar completamente imóvel.

— Já. – Respondeu Beyond bem humorado, se aproximando do menor para auxiliá-lo a juntar as pequenas peças para que ele as pudesse recolher e guardar na caixa outrora abandonada ao chão, contendo-se para não acariciar seus cachinhos albinos e demasiadamente convidativos. Near lhe lembrava Lawliet quando era menor, como uma versão um pouco mais sensível no quesito emocional, muito mais fácil de lidar, e menos suscetível a estímulos, principalmente físicos. No entanto, por mais que Nate não se magoasse ao ser tocado, e tampouco lhe parecesse irritado consigo pela última vez, quando praticamente dissera a ele que era novo demais para que pudesse confiar a ele seus segredos (o que na verdade não era exatamente uma mentira, contudo de alguma forma sempre parecia irrita-lo com alguma bobagem), estava com tantas merdas na cabeça, como aquela vadia e seu batom que lhe impregnara a alma, Mail e sua tentativa de suicídio estupida e Lawrence lhe incomodando com suas provocações e análises idiotas, que a última coisa que queria e precisava era que seu único ponto seguro se zangasse consigo novamente. Também tivera de controlar o impulso de encostar em Lawliet, percebendo rapidamente, ao lhe dar certa atenção, que aquele não era exatamente um bom dia e não deveria mexer com ele.

Após terminarem de guardar os brinquedos, Nate lhe ajudou a colocar a mesa, organizando os pratos e talheres enquanto Beyond colocara as panquecas e torradas. De todas as crianças indesejadas, sua ovelhinha era indubitavelmente a favorita, a que mais lhe auxiliava nas tarefas domésticas e ainda de bom grado, insta pontuar, fora as raras lembranças afetuosas que conseguia lhe trazer. Jamais conseguira criar um vínculo saudável e adequado com seus demais irmãos, Mihael era extremamente petulante, Mail era amigável, porém distante emocionalmente, como se não tivesse, até então, interesse ou coragem para se aproximar de fato, e Lawrence era praticamente um filho. Entretanto, quando se tratava de Near, sentia que tinha uma chance, uma oportunidade para acertar tudo aquilo que errara com L.

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