Ok

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Observava calma e melancolicamente os cadarços soltos de seu velho e sujo tênis já devidamente calçado em seu pé direito enquanto, na realidade, estava habitualmente absorto em pensamentos que variavam desde suas boas e nostálgicas lembranças de sua mãe e sua harmoniosa, doce e gentil voz até outras frações desgostosas e desagradáveis de sua traumática infância. Lembrava-se de como era frustrante e agoniante observar outras crianças e, inclusive, seu próprio irmão e compará-las a si. Como era doloroso... E esta angústia que lhe assombrava não era somente causada por sua notável inferioridade e disformidade. Obviamente, estas eram as maiores proveniências de tamanha algia, entretanto apenas eram exacerbadas e degeneradas pela ignorância e pela antipatia alheia. Crianças podem ser cruéis. Recordava-se de como era tratado quando mais novo, de garotinhos e garotinhas que lhe jogavam brinquedos para machuca-lo e consequentemente afasta-lo deles; das brincadeiras, músicas e piadas que faziam consigo somente com o intuito de magoa-lo; dos empurrões, beliscões, mordidas e puxões, de tudo. Ainda sim, eram apenas crianças e, muito provavelmente não eram más ou verdadeiramente inclementes e sequer entendiam a gravidade ou a extensão de tais ações. Desde muito cedo L compreendera que não só é como sempre será da natureza humana temer o incompreensível e o diferente. Ainda estão em fase de desenvolvimento, em incessantes processos de aprendizagem. De fato, crianças podem ser cruéis, entretanto, raramente o fazem de maneira proposital. Contudo, pessoas, seres já independentes, conscientes e com o mínimo de formação opinativa tanto podem como normalmente são perversos e desumanos simplesmente porque podem, e isto necessariamente os torna maus. Tad era mau. Já tivera inúmeros problemas com jovens de sua idade, desde agressão física a verbal, entretanto não era capaz de se lembrar de alguém que fora atroz ao ponto de tentar despi-lo a força somente para humilha-lo. Definitivamente não gostava de ser tocado, de ser visto e, as vezes, sequer gostava de ser ouvido e ele conseguira exceder todos os limites não somente lhe agredindo física, emocional e psicologicamente como o impelindo a lembrar do quão covarde, lânguido e insuficiente era. Tad poderia fazer o que quisesse com sigo e jamais protestaria ou revidaria descente e eficientemente. Simplesmente não conseguia. L era totalmente impotente necessitando constantemente de auxílio e de proteção, nunca sendo capaz de realizar qualquer coisa sozinho.

— Lawliet? – Indagou o ruivo ao abrir receosamente sua porta pintada com tinta branca barata adentrando no cômodo explicitamente nervoso e preocupado, fechando o pedaço de madeira atrás de si e se aproximando do menor, embora mais velho, assentando-se ao seu lado no colchão excessivamente macio de sua cama. – Tava pensando? – Questionou forçando um riso, logo demonstrando sua inquietude novamente. – Eu te chamei umas três vezes, mas.. você não ouviu... – L permaneceu em silêncio enquanto encarava o rosto cada vez mais tenso do irmão, observando sinais claros de dessossego: mãos levemente trepidas que agarravam seu lençol branco, voz trêmula e falhada assim como sua expressão facial sempre translúcida e sincera. – Não quer mesmo conversar sobre ontem? – Mail era tão amável... Sempre se preocupando com todos, sempre se prontificando a ajudá-los... Dentre todos eles, indubitavelmente Matt era aquele que menos merecia ter como irmão.

— Não. – Respondeu fria e rispidamente demais, muito mais impassível do que pensara que deveria soar. Não era bom naquilo. – Obrigado. – Acrescentou tão insensivelmente quanto a fala anterior em uma falha tentativa de melhorar o conteúdo emocional da frase, voltando a amaldiçoar sua falta de sentimentalidade. De fato, não merecia...

— Tudo bem. – Sorriu gentil e ternamente demais para que fosse de maneira genuína já acostumado com tal indiferença, afinal obtinha Mello como seu melhor amigo. – Acho que eu também já sei a resposta, mas, não é melhor você não ir hoje? – Lawliet não era necessariamente previsível, ainda menos se assim não desejasse ser, todavia sua teimosia já era uma espécie de marca registrada.

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