Capítulo 1

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– Manuela! O que está acontecendo? – gritou meu patrão.

– Um terrível entupimento! – respondi agitada, agarrando o sifão da pia.

Tentei controlar a água suja que espirrava insistentemente na minha cara. E com desespero, observei os sapatos do meu patrão, o senhor Giovanni,  ficarem ensopados pelo líquido viscoso que se espalhava rapidamente pelo piso liso. 

– Dio mio! Eu vou dar um jeito nisso – ele disse, agitando suas mãos no ar, com seu jeito típico italiano.

– Não se aproxime! Estou avisando! – falei rejeitando sua ajuda. – O senhor vai dar uma entrevista hoje. Lembra? Para aquela revista de doces famosa.

Ele sacudiu a cabeça negando.

– Que bobagem, bambina. Vamos, me entregue logo isso – comentou, puxando o sifão das minhas mãos.

De repente, como se tivesse ganhado vida e quisesse caçoar de nós dois, a água borbulhou e subiu pelo ralo da pia deixando o terno do meu chefe encharcado numa cor verde vômito.

– Ah, viu só? Você se sujou todo! – resmunguei para ele.

Mas ele não se deu por vencido. Apenas limpou os óculos redondos bruscamente e depois agarrou o sifão tentando controlar o vazamento. O italiano era bem insistente.

– Manuela, tire o bolo daqui – avisou ele, erguendo os punhos da camisa e jogando uma mecha do cabelo prateado perfeitamente liso para trás.

– Tá certo!

Empurrei o carrinho metálico com o bolo porta a fora, deixando que ele resolvesse a terrível catástrofe na cozinha da confeitaria. Já havia indícios de que cedo ou tarde, esse entupimento iria acontecer e infelizmente o evento acontecera no meu turno.

Droga!

A confeitaria onde trabalho se chama Doce & Massa, ela é bem conhecida pelo pessoal, também é confortável e bem decorada. Suas paredes carregam leves tons de lavanda e as vitrines esbanjam os mais variados doces. O prédio alugado onde fica localizada deve ter uns trinta anos, com um espaço grande e o melhor de tudo, fica localizada no centro da cidade.

No instante seguinte, notei meu chefe saindo da cozinha secando o rosto com um lenço.

– Acho que vamos precisar de um encanador – confessou ele.

– Sabe, eu conheço alguém que pode...

Ele arregalou os olhos.

– Nem pensar, Manuela! Você tem o dedo podre para isso, por acaso já esqueceu o que ocorreu da última vez? – indagou ele.

– Ah! Aquilo foi somente um pequeno vazamento de gás.

– Que poderia ter explodido o prédio! – rebateu meu chefe.

Era inútil discutir.

Eu tinha um jeito estabanado de lidar com as coisas e o meu chefe já estava acostumado com os meus deslizes, desde em que comecei a trabalhar aqui. Segundo ele, não havia "um momento de paz" na confeitaria.

Devo confessar que no início não foi nada fácil seguir o padrão rígido da Doce & Massa. Eu sempre estava enrolada com os horários, discutia com os clientes mais rabugentos e o pior de tudo é que eu não conseguia acertar as receitas. 

Interrompemos nossa conversa quando a porta da confeitaria se abriu.

O detestável e inconfundível barulho do sino tocando, preso acima da porta atingiu meus ouvidos. Eu tentei persuadir o meu patrão por várias vezes a retirar o objeto ultrapassado e inútil dali, porém ele não me deu ouvidos.

Doce MentiraOnde histórias criam vida. Descubra agora