Capítulo 12

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Meu olhar foi atraído para as luzes brilhantes da cidade, assim como uma mariposa é atraída para o fogo. Era tão lindo. Lá em cima, no topo do edifício e com o ar soprando meus cabelos, eu me sentia livre.

- Acredito que essa seja a vista mais bela da cidade - André rompeu o silêncio.

- Concordo plenamente - falei sorrindo para ele.

Eu não sabia o motivo dele querer falar comigo. Sai do trabalho e vim direto para cá, era um lugar reservado.

— O que você quer?

Já havia começado a perceber os sinais de quando André estava ansioso, ele bagunçava o cabelo escuro, prendia o lábio entre os dentes e os olhos... ah! Seus olhos verdes faiscavam como chamas.

Ele pigarreou.

- Então, seu amigo sabe do nosso acordo? - perguntou.

- Sabe.

Não era isso que eu esperava.

- Ok. Vou acrescentar naquela sua lista de regras ridículas sobre "não comentar nosso acordo" com outras pessoas.

- Por mim, tudo bem. Só achei justo meu amigo saber, já que seu melhor amigo Fabiano também conhece nosso acordo.

Ele concordou.

- De qualquer forma, não chamei você até aqui para isso.

- Qual é o problema?

- Eu acho Manuela, que as coisas vão começar a ficar mais complicadas daqui para frente. No meu projeto.

- Complicado, tipo quanto? - falei preocupada.

- Amanhã, George Miller quer visitar o local da obra. Por isso, você tem que vir junto - explicou. - Parece que a esposa dele finalmente está aqui e quer conhecê-la.

Franzi as sobrancelhas.

Gente rica era esquisita. Aquilo era uma formalidade desnecessária. Afinal, por que essa mulher desejava tanto me conhecer?

- Eu preciso mesmo ir? - questionei.

- Se quisermos convencer o senhor Miller que somos um casal, então sim.

- Tá legal. Eu vou!

Tudo pela confeitaria. Não. Na verdade, era tudo pelo senhor Giovanni, foi por ele que me meti nessa enorme confusão.

André notou minha mudança de humor.

- O que houve?

- Nada.

- As pessoas não ficam tristes por "nada".

Suspirei.

- Não ache que eu sou uma tola, mas eu admiro muito como você corre atrás dos seus sonhos.

- Todos nós os buscamos. Você também corre atrás dos seus, não é?

- Eu deixei de sonhar faz muito tempo - contei. - Desde que fiquei sozinha, sem meus pais, tenho mantido minha cabeça somente no trabalho. Eu acordo bem cedo e chego tarde a minha casa, no outro dia, faço a mesma coisa. Acho que essa foi à maneira que encontrei de lidar com a vida.

André continuou escutando.

- Quando eles se foram não foi... fácil. Eu era muito jovem na época e não soube lidar direito com a perda. Minha tia sempre foi gentil e tentava me alegrar de todas as formas que conseguia, eu não sei o que teria acontecido comigo se não fosse ela.

- O que aconteceu com seus pais?

- Foi uma tragédia de avião. Isso me deixou bem abalada emocionalmente.

- Eu sinto muito.

Olhei em seus olhos, pareciam sinceros.

- No início, minha tia Amália cuidava de tudo. Eu queria ajudá-la, mas ela não me deixava trabalhar - disse. - Então, vieram os remédios, ela tomava para aliviar suas dores causadas pelas dezenas de faxinas e roupas que passava todos os dias.

Engoli em seco.

- Com dezesseis anos, tomei a decisão que iria trabalhar. Minha tia não recebeu bem a notícia, mas prometi que continuaria estudando, as mesmo tempo que trabalhava e ela aceitou. Não foi tão simples assim, porém, ela cedeu.

Olhei para André, ele continuava me ouvindo.

- Foi nessa época que conheci meu patrão - contei sorrindo. - Giovanni, o italiano resmungão com um baita talento na confeitaria. Você acredita que ele não queria me dar um emprego de jeito nenhum?

André riu.

- E aí? O que aconteceu?

- Eu insisti. Passei dias aparecendo na Doce & Massa para perturbá-lo, esperando que me desse o tão desejado emprego. Até que finalmente venci e ele me contratou como sua ajudante. Desde então, tenho aprendido muito com ele, meu patrão me mostrou o verdadeiro significado de amar a confeitaria.

Encarei André, já sentindo as lágrimas queimarem meus olhos.

- Sinto que tenho uma dívida com o senhor Giovanni. Aquele velhote me acolheu como uma filha e agora, eu tenho que retribuir. Não posso permitir que a Doce & Massa saia daquele lugar, que está cheio de boas lembranças. Ele já criou muitas raízes lá e essas não podem ser arrancadas. Entende?

- Sim - disse ele, com a voz rouca.

André cambaleou na minha direção, esticou a mão lentamente como se tivesse receio que eu fosse fugir, se ele fizesse rápido. Depois, reuniu coragem e colocou a palma da mão na lateral do meu rosto, onde minhas lágrimas continuavam a cair impulsivas.

Com um gesto leve, ele as secou com seu polegar. Delicado. Decidido.

- Por favor, não chore Manuela. É difícil vê-la assim.

- A-Acho q-que acabei de quebrar a primeira regra - falei fungando.

André deu um sorriso doce.

- Qual era mesmo?"NENHUM SEGREDO SOBRE A VIDA PESSOAL SERÁ REVELADO" - contou. - Não importa.

- Devo estar toda melequenta - falei, secando o resto das lágrimas.

Ele riu.

- Não há problema em chorar. Faz bem para a alma.

André havia me apoiado em um momento de fraqueza. Ele não julgou meus sentimentos, apenas ficou lá escutando meu desabafo, tentando compreender minha vida.

- Obrigada – agradeci.

– Pelo quê?

– Por conversar comigo, por me entender e por me fazer companhia.

André me abraçou.

– Estarei aqui pra você sempre que precisar – sussurrou no meu ouvido.

E pela primeira vez depois de muito tempo, não senti aquele vazio. Eu não estava sozinha.

Doce MentiraOnde histórias criam vida. Descubra agora