Capítulo 14

46 3 0
                                    

Minutos depois, André me encontrou.

Eu estava encolhida, dentro da tenda que os funcionários haviam montado repleta de almofadas azuis e verdes. Não queria que ninguém descobrisse como estava me sentindo, por isso, me afastei do restante dos convidados.

Fiquei ali chorando. Muito. Do tipo de choro que faz os ombros sacudirem e as lágrimas caírem tempestivamente.

- O que aconteceu? - perguntou André. - Vi você conversando com o doutor Vargas e depois você sumiu.

- Vo-você acha q-que sou u-ma "morta de fome"? - soltei, gaguejando.

- Que besteira. Quem falou isso Manuela? - disse ele, agachando ao meu lado.

Não tive coragem de olhar em seus olhos, nem mencionei o sujeito que tinha pronunciado tal ofensa. Eu estava devastada com as palavras de Emílio Vargas, não podia imaginar que elas me afetariam tanto. Aquele homem soou grosseiro comigo, como se eu fosse à pior espécie de pessoa que já conheceu e que não valia absolutamente nada.

Eu não tinha vergonha de minha origem humilde, mas ser alvo de críticas tão maldosas me deixou extremamente triste.

- Manuela - André disse meu nome em um sussurro. - O que houve?

- Nada! - falei desesperada.

Ele segurou no meu queixo.

- Olha pra mim.

- Não consigo mais André - confessei o encarando. -Tenho que ir para casa.

- Por quê?

- Não foi nada grave - funguei. - E como o senhor Miller já me viu aqui, então está tudo certo. Né? Ninguém vai perceber que fui embora.

- Eu não acredito nisso.

Não conseguia contar para ele o que tinha acontecido; na verdade, não podia. Tinha certeza que, André jamais havia conhecido essa versão do doutor Vargas. Toda sua arrogância e malignidade eram destinadas exclusivamente para mim, a garota do bairro pobre.

Olhei para o homem parado a minha frente. Sempre muito educado, vestindo seus ternos elegantes, sapatos caros e relógios que dariam para comprar uma casa.

Droga. O que eu estava fazendo?

-Devo ser mesmo uma estúpida - comecei a divagar. - Como eu pude achar por um milésimo de segundo que daria certo ficar junto de você. Como ousei aproximar-me de um cara como você?

- Do que está falando? - rosnou ele, bastante pertubado com as palavras que saíam da minha boca.

- De nós. De toda essa palhaçada que está acontecendo, André. Eu não sirvo para você! - gritei. - Acho melhor você voltar com sua ex-namorada, já que não sirvo para nada. Sou apenas uma garota desprezível, pobre, uma morta de...

André preencheu o espaço entre nós e encostou os lábios nos meus.

Foi um leve toque de início, muito delicado e gentil. Depois, senti quando a pressão aumentou em minha boca, pedindo passagem e... acabei cedendo, rendendo-me ao beijo. Seus braços fortes envolveram minha cintura, dando-me um aperto firme e lhe retribui agarrando o seu cabelo. Pude sentir o cheiro de André, seu toque intenso e o caloroso sabor de seus lábios.

O beijo não durou muito tempo, mas pareceram horas para mim.

- O que você fez? - recuei meio zonza, descolando os lábios dele.

- Essa foi à única maneira que arranjei para calar você - confessou ele. - Eu não sei o que aconteceu, mas não menospreze a si.

- Eu...

André me abraçou.

– Você é um ser humano incrível.

Um barulho alto interrompeu nossa conversa. Como se algo estivesse rachando, isso deixou nós dois em alerta.

Crec-crec-crec!

- Que barulho é esse? - perguntei.

De repente, ouvimos um estouro violento e a água subiu alguns metros acima em questão de segundos. Parecia que um cano tinha acabado de explodir, provocando um caos generalizado.

Nem preciso dizer que, André e eu estávamos próximos o suficiente do cano estourado para sermos atingidos pelos respingos da fúria da água e ficamos completamente molhados.

A água continuou a fluir tempestivamente, enquanto todos os presentes ali apenas observavam espantados - ou impressionados - eu diria, com aquela força da natureza. Era lindo, mas assustador ao mesmo tempo.

- E agora?

- Vou ligar para a empresa responsável, eles irão fazer o reparo - rugiu André, afastando o cabelo molhado dos olhos.

- O que está acontecendo? - questionou o casal Miller se aproximando de nós, completamente encharcados.

- Acredito que um cano se rompeu. Já avisei a empresa - explicou André.

- Mas isso é impossível! - vociferou Fabiano, no modo advogado, surgindo num piscar de olhos. - Toda a encanação interna é nova, André fez questão de trocar tudo antes de começar a construção.

- Eu sei - falou André transtornado.

Então eu soube.

Não foi um acidente, mas uma sabotagem. Isso era ruim para os seus negócios.

Vasculhei ao redor, analisando cada rosto e atitude das pessoas.

Não tinha dúvidas que havia trapaça rolando, uma vez que, havia presenciado a conversa estranha quando estava escondida no banheiro da empresa. Alguém queria ferrar o André, mas quem seria?

Quem era o culpado?

Procurei por Emílio Vargas, mas ele estava ali. Ficou tão ensopado pela água que seu terno caro parecia mais uma segunda pele, os sapatos lustrosos estavam sujos de lama e acho que ele deve ter caído em algum momento, pois seus dedos e unhas estavam sujos de terra. Quase tive pena dele.

Quase.

Porém, entre os convidados, jornalistas e empresários, havia uma pessoa que não consegui encontrar de maneira alguma. Tinha sumido, evaporado dali.

Rebeca.

Doce MentiraOnde histórias criam vida. Descubra agora