NEGANDO‐SE A VIVER

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O barulho das ondas é a única coisa que escuto, fecho os olhos tentando absorver toda a energia, o som das ondas parece música e de fato elas dançam com a força do vento que também faz os meus cabelos soltos saltarem em movimentos tão rápidos sobre o meu ombro que desperta um sorriso e me faz erguer os braços para sentir toda vibração do lugar.

Mas de repente lembro que tenho medo do mar. Então o que estou fazendo aqui?

Abro os olhos e vejo um homem brincando com a água, ora chuta com o pé, ora pula a onda quando morre na margem da praia. Ele parece sentir minha presença, olhando para os lados para comprovar que na grande extensão estamos apenas nós dois, mas ele me passa tanta confiança que me aproximo quando vejo ele com as mãos me chamar.

— Pai, você voltou! Pai….

Grito, mas ele não responde, entra na praia, não permite que me aproxime dele, sinto uma aflição por não conseguir tocá-lo, a água não  molha os meus pés, ela recua cada vez que dou um passo. Chamo novamente por ele, sorrio por vê-lo tão lindo, sorrindo, vestindo roupas brancas com uma áurea de paz.

— Filha, o pai não vai deixar que entre dessa vez! – ele fala com a mão para frente me pedindo para ficar onde estou, sorrir quando obedeço. — Pequena, sua vida vai mudar, confie no papai…

Acordo no sobressalto. "Foi um sonho?" Olho ao redor e vejo o meu quarto arrumado como sempre deixo tudo no seu lugar, menos a pasta com o relatório com o meu erro em cima da cama.

Percebendo que não vou mais conseguir dormir, ainda é cedo, em outros dias dormiria até tarde, mas o sonho deixou a velha sensação que sinto desde os meus doze anos, meu corpo submergir da praia, fui salva, mas o meu pai morreu para me dar a vida, desde então  culpa e depois trauma de praia, piscina, nem molhar os pés consigo, contemplar o mar é o máximo que consigo fazer.

— Estou condenada papai, minha vida mais uma vez vai ser afundada, enterrada ou presa por um único erro!

Levanto, sussurrando todos os palavrões que conhecia direcionado ao meu chefe. Escondo a pasta para minha mãe não ver. Abro meu notebook para ver aquilo que me liberta por alguns minutos desse mundo e me faz esquecer meus medos.

Escuto meu telefone tocar.

— Oi amiga! – Escuto a voz da minha amiga toda empolgada e deito novamente.

Cláudia a única que restou das amizades. Que me dá forças e muitas vezes me anima. Uma mulher guerreira, mãe de um menino lindo, Lucas. Separada, mas que não deixou de se amar e ama viver. Uma morena linda, alta e com um sorriso contagiante.

Te acordei amiga. Desde ontem que te ligo já estava preocupada.

— Não, mulher, já estava acordada. Desculpa, meu celular estava sem bateria, só pela manhã que eu vi, cheguei cansada, capotei e dormi. – Minto.

— Vamos à praia, o dia está lindo? O Lucas está louco pra ir passear.

Moramos em João Pessoa, lugar de praias lindas e  um litoral extenso. Até praia de nudismo nós temos.

— Desculpa amiga mas hoje não dar tenho muitas coisas para fazer, trouxe trabalho da empresa para fazer, casa para arrumar, roupa pra lavar cansei só de falar.

Eu também cansei só de ouvir. Você está bem? Vamos você pode ficar comigo em uma barraca, como sempre faz. Essa pele branquinha há tempos não leva sol.

— Estou sim, está tudo na paz, só com um pouco de dor de cabeça, não estou com coragem para enfrentar esse sol nem mesmo embaixo de uma barraca.

Fica bem amiga. Se cuida. Cheiro mais tarde nos falamos.

— Tchau amiga. Boa praia!

Fico olhando para a tela do celular e lembro de um tempo onde praia, cerveja, shows e farras eram o meu mundo. Gostava muito de dançar, tinha um grupo de amigas que sempre estava em shows. Sempre fui tímida na adolescência, foi um sofrimento com os garotos. O primeiro beijo aos dezessete anos, muito ruim, foi quando descobri como me divertir. Gostava de me arrumar hoje só o básico, me visto de uma maneira apresentável para trabalhar.

Minha mãe bate na porta.

— Bom dia filha. Estou indo na casa da sua tia Maria, só volto à noite.

— Bom dia mãe. Vai com Deus beijos para a tia Maria.

— Seu irmão foi trabalhar só chega à tarde.

Perco a vontade de ficar na cama, curiosa para ver minha pele, vou ao banheiro olhar meu rosto, os olhos castanhos claros demonstra a noite mal dormida, passo o dedo nos lábios carnudos, examino os longos cabelos castanhos com algumas mechas, feitas há duas semanas, quando fui convencida pela Fernanda,  minha cunhada.

Ela estava certa, as ondulações ficaram mais lindas, fico de costas para ver o tamanho, não gosto de cortá-los, tenho trauma de tesoura, por isso estão quase na cintura. Passo a mão várias vezes para senti-los. Em casa uso eles soltos, mas durante a semana para trabalhar estão sempre presos.

— Você vai continuar branquinha, não vou à praia!

Saio do meu quarto e vou tentar comer alguma coisa. E assim passo o meu fim de semana dentro do meu quarto. Em alguns momentos relendo o relatório, na tentativa de achar um erro que não seja meu. E mais uma noite revirando na cama sem achar uma solução e  sem saber como será quando tiver que enfrentar o meu chefe e o que direi para escapar sem envolver minha família.

— Dil, você está bem? Está distraída desde quando saímos de casa.

— Estou irmão, só estou estudando aqui na mente um relatório que farei ao chegar no escritório.

Tony lembra muito o papai, a calvície frontal,  o peito peludo e a voz mansa que me acalma, as vezes desejo que ele não se preocupasse comigo como um pai, ele assumiu esse papel em minha vida ainda jovem e nada do que falo faz ele cuidar da vida dele, me pergunto até quando a Fernanda vai esperar para casar com ele.

— Você, preocupada com palavras, para mim é novidade, com certeza fará em vinte minutos. Pronto chegamos!

Agradeço ao Tony pela carona após dar um beijo rápido antes que ele investigue e descubra que sonhei com o nosso pai e achar que  novamente eu precise de terapia ao  perceber o pequeno tremor em minhas mãos causado ao ver que está mais próximo a hora de encontrar o Marcos.

As vezes acontece de pegar carona com ele até o centro de cidade, onde pego apenas  um ônibus para a empresa. Vou direto à minha mesa começar o primeiro dia de trabalho da semana. Olho a agenda do Marcos, coloco tudo em ordem. Estou tentando digitar um documento quando escuto o telefone.

— Venha à minha sala!

— Venha à minha sala!

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