10:12 AM. Encho uma última caneca de café e volto pro quarto, foi bom passar essas últimas horas falando com minha mãe, apesar de eu ainda estar inconformado com aquele sonho e o final dela matando o rei chocolate do mal... Que estranha idiotice agradável. Atraio Aqua para fora de baixo da cama com a minha mão e antes de deixar ela de volta no seu terrario, eu percebo que ela está diferente da noite passada e suas cores estão mais brilhante. Ah, sua casca antiga está encolhida no pé da cama. Deu pra perceber que faltava poucos dias para mudar de pele, mas o toque de Lara com ela fez esse processo se adiantar? Também pode ser só mera coincidência... Enfim.
Deixo ela escalar meu braço e subir até a minha cabeça enquanto saio do quarto para jogar fora essa casca vazia. Entro na cozinha chamando a atenção da minha mãe ainda tomando café e mexendo no celular, sentada à mesa.
- Essa é a casca antiga dela?
- Uhum. - Ao invés de jogar fora, eu dou a pele pra ela ver melhor. - As cerdas ainda pode causar incomodação. Tenta não respirar isso.
Volto para o quarto e os pacotes de biscoitos que tinha pego outro dia ainda parece que vai ficar aí mais um tempo. A luz do sol entra no quarto clareando praticamente tudo que não dava pra ver em toda aquela escuridão, olho em baixo da cama para ver o que tem e não tem muita coisa por aqui. Apenas um excesso de teia causado por Aqua e também um urso de pelúcia velho e todo empoeirado faltando um olho. Isso veio comigo durante a mudança? Eu não me lembro dessa pelúcia. Seu braço esquerdo está rasgado e há linhas de costuras soltas em todo canto também, eu não me lembro dessa coisa e nem de nenhum desses brinquedos, minha mãe os deixou aqui? Ela os guardou por todo esse tempo... Não tenho certeza, mas isso deve ser da minha infância. Tento tirar o máximo de poeira que consigo dele e coloco em cima do travesseiro na cama. Tomo mais um pouco de café e me sento ao lado do urso, não consigo mesmo me lembrar de algo sobre isso. Um urso de pelúcia... Qual foi a minha história com esse pedaço de linha e algodão? Acho que não me importo o suficiente com isso. Quando termino de limpar o sangue do chão, a porta do quarto se abre e minha mãe entra.
- Decidiu abrir a janela hoje? - Ela vira o olhar pra pelúcia antes de me deixar responder . - Onde você o encontrou?
- Ainda pergunta? Eu sei que foi você que o escondeu embaixo da cama. Ou será que já está tendo alzheimer?
- Não estou tão velha assim.
- Sabe que não gosto de surpresa.
- Não era pra ser bem uma surpresa, só achei que isso ficaria melhor com você.
- Eu não acho.
- É? Mas você brincava tanto com ele. Vivia o chamando de "Ursinho", mas nunca deu um nome além deste.
- "Ursinho"... Não me lembro de nada disso.
- Eu sei. - Ela olha para baixo com uma expressão meio triste.
- Hm. Não importa mesmo.
- Então, Anna vem hoje?
- Já avisei ela.
- Vou ficar o dia todo em casa, então ela pode vir a qualquer hora.
- Tá.
- E limpa esse quarto, tá uma bagunça.
- Talvez outra hora.
- Inclusive... Vocês não vão ficar no quarto. - Ela esboça um sorriso sarcástico e volta pra sala, quando o celular vibra em cima da cama chegando mais uma mensagem de Anna. Ao pegar a pelúcia de cima da cama de novo, eu reparo a marca preta no meu pulso... Ainda bem que ela não viu isso.10:32 AM. Estava com o celular tocando música enquanto carregava, jogo um pouco de água fria no solo do terrario e Aqua sai pra fora. Suas cores mais vivas e claras são refletidas na parede com a luz do sol. Deixo ela subir na minha mão e ela fica toda agitada de repente. Parece que aquele choque não a machucou mesmo, isso é bom. Ela ficou um pouco maior também, preciso começar a pegar insetos maiores pra ela, acho que um louva-deus? Do tamanho que está, acredito que come até pequenos roedores.
- Lara?
- Hm? - Ela aparece ao meu lado.
- Tenta tocar nela de novo.
- Tá bom. - Conforme ela aproxima a sua mão, eu não sinto aquela eletricidade... Seus dedos tocam Aqua como deveria ser... sem nenhuma reação, mas Aqua ainda sente o toque de Lara e toda aquela agitação na noite passada parece ter feito nenhum mal a nenhuma delas. - Ela tá bem tranquila.
- Acha que aquela reação que houve entre você e ela foi proposital?
- Como assim?
- Acha que ela queria que aquilo tivesse acontecido? Talvez fosse a intenção dela nos fazer passar por aquilo.
- Mas por que? - Deixo ela de volta no terrario e fico sentado na beira da janela, olhando o lado de fora.
- Não sei... mas se for como pensamos, se pensarmos no clichê que isso deveria ser, não é mera coincidência.
- Mas também pode ser só coincidência. Nunca se sabe...
- Pois é. Além desta aranha, Anna também pode sentir o seu toque. O que você acha disso?
- Eu acho que elas não são normais, assim como nós.
- "Assim como nós". - Faço aquele fogo roxo queimar sobre a palma da minha mão e o fogo já não está tão quente quanto antes.
- Acha que isso é real?
- Parece bem real. Acha que não?
- Não exatamente. Mas isso é bem estranho.
- Parece que você pode usar isso sempre que quiser.
- Já me acostumei.
- Entendo... - Apago isso da minha mão quando vejo Anna passar pela calçada em frente a casa e ela me olha, acenando para mim. Usando uma blusa preta, uma calça jeans branca cheio de rasgados na coxa e no joelho, com um All Star preto e sujo. Hoje ela está com o cabelo amarrado em coque e com uma maquiagem bem leve no rosto. Lara desaparece quando saio do quarto, indo até a porta, seus olhos brilham quando abro e um sorriso começa a aparecer no seu rosto.
- Oi...
- Oi, Anna. Por que veio tão cedo?
- Porque eu... não queria ficar em casa.
- Vem, entra. - Chego na cozinha onde minha mãe estava cozinhando biscoitos.
- Ei... - Ela me olha.
- O que?
- Anna tá aqui.
- Veio mais cedo do que eu esperava.
- É...
- Tá bom. Já estou indo, não vão ficar no quarto.
Volto para a sala e Anna estava ajoelhada em frente a estante mexendo nos porta-retratos que estavam comigo quando criança.
- Você era tão fofo.
Me sento ao lado dela e ela continua mexendo no álbum de fotos, passando de página em página e comentando sobre mim quando era mais novo ou sobre o meu irmão. Havia um tempo que minha mãe estava encostada na parede atrás de nós apenas observando. Ela acha que não reparei, mas Anna está focada demais nas fotos para perceber. Me sento no sofá e minha mãe se senta no outro, só então Anna a vê e se senta ao meu lado, deixando o álbum de fotos no lugar que estava.
- Olá, senhora.
- Não precisa de tanta formalidade.
- Certo...
- Então... Anna, desde quando começou a gostar do meu filho? - Ela começa com suas perguntas diretas. Anna me encara e eu desvio o olhar, deixando ela se virar com isso sozinha.
- Aah... Desde que nos conhecemos na escola.
- É?
- É...
- Não precisa ficar intimidada. Não vou te machucar. Provavelmente.
- Provavelmente... - Ela sussurra. - Tá bom.
- Ontem não foi a primeira vez que você veio aqui, não é?
- Não. Já vim aqui outra vez, mas não tínhamos nenhum relacionamento íntimo antes.
- Por que vinha? Usavam drogas ou algo assim? - Quase isso.
- Ah, eu ficava entediada em casa... então mandava mensagens para Ethan, para nos encontrar mais vezes.
- Bom saber... E a sua família, como é?
Ela abaixa a cabeça e fica encarando as próprias mãos nervosa.
- ...
- Tudo bem, eu entendo. Não vou te obrigar a dizer.
Isso aqui tá parecendo mais uma interrogação. Continuo calado no meu canto, sem necessidade nenhuma de me intrometer nisso.
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The plans of Destiny
General FictionQuerido leitor, essa história que estão para ler vai muito além de apenas um drama adolescente - quando vimos que a natureza de sua alma fazia seu corpo humano fraco ser tão defeituoso a ponto de precisar de medicamentos para continuar vivo, pelo me...