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  Faz meia hora que Lara saiu para passear com aquela criança e pela sua presença não está longe, não vai demorar até elas voltarem.
- Então, esse sábado? - A voz de Luce ecoa na minha cabeca, tomando minha atenção de volta. Aos poucos eu estou ficando com sono sentado na janela.
- Sim. É... Antes de você sair de casa, me liga.
- Tá. Faltam dois dias para o final de semana ainda.
- É.
- Eu... estou um pouco triste.
- Por que?
- Estive lembrando do passado e de todas as coisas que já passei. Desde os bons momentos até os ruins e traumáticos.
- Não é ruim se lembrar de coisas como isso.
- Eu penso o contrário.
- Se lembrando do passado, você se torna mais resistente ao tempo que se passou. Bom, isso não cabe a todas as pessoas, mas eu já te conheço bem pra saber que isso funciona com você.
- Você também para pra pensar nisso?
- Sim, às vezes. E é sempre com a minha mãe.
- Você parecia tão apegado a ela, deve ter sido alguém incrível.
- Podemos falar disso quando você estiver aqui.
- Certo. Então, alguém da faculdade já deu notícias?

  12:34 AM. Lara volta com a garota e eu vou recebê-la antes que ecoa o som das batidas na porta. Ela me olha com um sorriso alegre no rosto, mas a criança ainda não expressa nada.
- Se divertiu? - Pergunto.
- Sim.
- Eu... Eu preciso voltar... Ou ela pode ficar com raiva.
- Quer que eu a leve de volta?
- Não, eu... posso ir sozinha.
  A gravidade fica mais pesada e o portal aparece ao lado da garota. Sem ela fazer nenhum movimento com nenhum dedo ou qualquer outra parte do corpo.
- Eu voltarei... Eu acho. - Por fim ela me encara, esboça um sorriso e desaparece em meio ao portal escuro.
- Vamos para o quarto, Lara.
- Temos tantas coisas para conversar.
- Sim, temos.
  Lara volta para o quarto e eu vou até o quarto de Carla ver se ela já está dormindo e após isso eu tranco a porta da frente e me deito de frente para Lara, observando meus olhos já esperando as palavras saírem da minha boca.
- O que descobriu?
- Ela é sua filha.
- Ela não é "minha filha".
- Bom, é, ela é filha de Hypnos. Então é sua filha. Você não parece surpreso com isso.
- Eu já estava pensando nessa possibilidade. Era o que mais fazia sentido... Então é por isso que tenho impressão de que a conhecia.
- E também... Melinoe deixa ela presa em uma sela no subsolo do palácio... Eu acho que é no palácio.
- Por que?
- Eu não sei. E existe várias outras selas também, mas ela não sabe quem mais pode estar preso naquele lugar.
- E como ela saiu?
- Ela disse que a "vovó" a ajudou. Acho que ela estava se referindo a Nyx.
- Então é isso. Eu não sinto a presença dela, não sinto o que já tinha sentido antes. Ela sabia ou já sabe que era eu?
- Não. Ela esteve duvidosa. Ela tinha impressão de que também te conhecia, mas não sabia exatamente quem era.
- Eu senti a mesma coisa. Você contou a ela quem eu sou?
- Não. Eu preferi que você mesmo dissesse em outra ocasião.
- Entendi. Fez bem.
- Não parece nenhum pouco surpreso com tudo isso.
- Enfim, pegou seu urso no quintal?
- Ah... Esqueci.
  Ela se levanta da cama e saí do quarto rapidamente. Ela não costuma esquecer as coisas, mas deve ser só um efeito dela ter se tornado mais humana? Ou seria o contrário? De qualquer forma... O mais importante agora é em como lidar com aquela garota. Diferente de seus pais, ela não morreu, mas por que ainda continua com aparência de uma criança... Ela deve ter quase a mesma idade que Melinoe ou até mais velha...

  08:34 AM. Acabo acordando com a luz do sol entrando pela janela... Lara dorme entre os meus braços e sinto o celular vibrar ao lado do travesseiro. Mensagem de Carla... Dizendo que tinha ido trabalhar e que era pra eu cuidar da casa. Me levanto da cama sem acordar ela e então percebo a bela foice encostada na parede do quarto em frente a cama, parece que aquela garota está aqui de novo. Sua presença dessa vez é calma e fraca, sei que é ela porque é diferente de qualquer outra, reparando melhor agora... É bem parecida com a minha presença. Depois de lavar o rosto no banheiro, eu vou até a sala onde a garota estava dormindo no sofá com a mesma roupa de antes, o urso apertado entre os braços, a boca entreaberta e o longo cabelo branco bagunçado e espalhado pelo sofá. Ela abre os olhos e me encara com as pupilas ainda douradas, no mesmo tom dos meus. Ela se senta no sofá e solta um bocejo, parece com muito sono ainda.
- Pa... Papa? É você, não é? - Ela deve saber coisas de Hypnos, mas teria alguma chance dela me dar as respostas? Ela esboça um sorriso, se levanta da cama e antes de vir até mim, eu me abaixo e aceito o seu abraço. - Eu sabia que era você!
  Por algum motivo eu me sinto aliviado e feliz em vê-la, como se a minha divindade a reconhecesse e passasse essas sensações pra mim. Então... Esse é o laço que permanece entre um pai e uma filha mesmo após a morte...
- Como... você se chama?
- Eu sei que você perdeu suas memórias e seus poderes quando morreu porque me ensinou como isso tudo funciona. Eu me chamo Melany. - Ela sai dos meus braços, com o rosto molhado e os olhos ainda cheios de lágrimas. - Esse foi o nome que a mamãe me deu.
- Melany...
- O papai me chamava de Mel. - Eu volto a abraçar forte e mesmo tendo toda essa familiaridade e sentimentos, me sinto incomodado com a falta de memória daquele tempo...
- Quantos anos tinha quando Hypnos morreu?
- Cinco.
- E por que permance com essa aparência? Você deveria ser mais velha que Melinoe. Por que ela te trata como criança?
- A vovó me fez ficar nessa forma através um feitiço.
- Um feitiço?
- Eu não me lembro bem... A vovó nunca me contou sobre isso. - Além de sua aparência, até a sua mentalidade é igual a de uma criança nessa idade. Ela fica triste ao se lembrar de tudo aquilo...
- Entendi. - Eu volto a me afastar e ela se senta no tapete junto comigo. - Quando foi que descobriu que sou a reencarnação de Hypnos?
- Eu pensei muito sobre isso quando senti sua presença... Essa presença diferente, que me fazia lembrar o papai...
- Quais são as suas habilidades?
- Eu ainda não sei.
- Por que não?
- O papai selou os meus poderes antes de morrer, escondendo a maior parte da minha divindade.
- Por que ele fez isso?
- Para... me proteger dos Deuses que estavam nos caçando. - Ela fica triste de novo.
- Ele te explicou como remover este selamento?
- Olha. - Ela estende o braço esquerdo com a palma da mão aberta para mim e o simbolo da ampulheta está encrava na sua pele em formato de queimadura.
- Isso machuca?
- O tempo todo. Eu já me acostumei, mas ainda não consigo sentir os dedos dessa mão. Só o papai poderia remover este selo.
- Certo. Eu posso te ajudar com isso.
- Mesmo?
- Sim. Vamos iniciar o procedimento em breve. Quer comer algo?
- Aah, eu estou interessada em sentir o gosto das comidas humanas.
- Vamos pegar algo na cozinha. Você tem sede por sangue? - Ela me segue pelo corredor.
- Sangue? Não, nunca senti algo assim.
- Entendo. - Então é apenas os filhos de Hades que sentem isso? Melinoe também estava tomando sangue numa taça... Em tão pouco tempo e já consigo perceber que essa garota foi de fato importante a Hypnos, me passando a mesma sensação. Pego um pacote de biscoitos no armário e entrego para ela. - Você esteve escondendo sua presença. Por que?
- A vovó quem fez isso. Eu consegui entender em pouco tempo, mas ela quer que eu fique assim.
- Ela disse o motivo?
- Não. Ei? - Ela puxa minha mão pouco antes de voltarmos pra sala.
- O que foi?
- O que é isso?
- Biscoitos.
- Os humanos comem isso?
- Tem que abrir.
- Como abre?
- Descubra sozinha. Eu vou acordar Lara. Espere aqui.
- Papa, quem é Lara?
- "Papa"?
- ...
  Ela recua, receosa e até chega a desviar o olhar... Ainda me incomoda ser chamado assim por alguém e espero que ela não se acostume.
- Lara é a garota de ontem a noite, com quem você saiu para passear.
- Eu me lembro... dela. - Volto para o quarto, mas ela já estava acordada, de pé em frente a janela olhando para o lado de fora.
- Faz quanto tempo que ela tá aqui?
- Parece ter dormido aqui.
- Hm...
- Vamos tomar banho. - Ela se vira para mim e para na minha frente.
- Então, sua filha é linda, não é?
- Ela não é minha filha.
- Não literalmente. Como se sente agora sabendo dela?
- Nada de importante.
- Vamos ter que descobrir em como resolver as coisas a partir daqui.

  09:19 AM. Terminamos de nos arrumar e vamos até a sala, a garota está sentada no sofá balançando as pernas e comendo os biscoitos com o pacote agora aberto. Lara se senta ao lado dela e eu me agacho em frente a ela, meu rosto fica a altura do seu e ela me encara com os olhos focados nos meus.
- Gostou? - Ela afirma com a cabeça.
- É muito bom. - Me sento no chão sobre o tapete enquanto Lara fica ao lado da garota, afastando as mechas do seu cabelo dos olhos.
- Não voltou pra casa?
- Não.
- Por que?
- Eu não quero voltar para aquela prisão. É muito mais legal ficar aqui.
- Então quer ficar aqui? - Ela afirma com a cabeça.
- Ou Lara... Prefere voltar com ela para o submundo?
- Você vai ficar lá comigo?
- ...
- Eu vou, apenas se você for. Não quero ficar sozinha em nenhum outro lugar.
- Mas eu preciso que faça isso.
- Por que?
- Precisamos ter experiência sobre o submundo.
- E eu vou ter que ficar lá por quanto tempo?
- Por alguns dias. O tempo não funciona por lá, então eu mesmo vou te buscar quando for necessário.
- Já tem alguma ideia de como isso funciona?
- Sim.
- Pode me explicar?
- Aqueles que estão no submundo, o tempo não funciona, mas o tempo aqui na terra sim, já que não estão interligados. Então, se alguém, incluindo nós, vai para o submundo e retorna de lá para cá, o tempo volta exatamente no mesmo momento em que fomos pra lá, porém com a nossa ausência no mundo, mas que não impacta o nosso futuro de alguma forma.
- Aah! Então nós voltamos no tempo.
- não exatamente.
- Então eu não entendi... Não é como se.... O tempo continuasse para os humanos, mas eles voltam no tempo sem perceberem e fazendo o mesmo percurso de antes... Por exemplo, se agora, eu for para o submundo tem como eu voltar mais atrás no tempo?
- Não, você só volta para agora mesmo. Sem um segundo a mais ou a menos.
- Hmm...
- Do que... estão falando?
- Você vai retornar ao submundo com Lara.
- Então, quer que eu fique até segunda-feira?
- Sim. Hoje é sexta, então não são muitos dias.
- Não é muitos dias aqui.
- Você nem vai perceber o tempo passar.
- Vai ir me visitar de vez em quando?
- Sim.
- Então tá bom... - Ela acaba ficando cabisbaixa, mas é preciso fazer isso.
- Você irá voltar com ela, não deixe que Melinoe volte a encostar nessa garota.
- Por que? Será que você já está criando laços com ela?
- É o que parece. Enfim, entendeu?
- Sim. E o que eu faço com Melinoe?
- Você é a herdeira do submundo, faça o que achar melhor.
- Hm, talvez eu mate ela.
- Não faça isso. - Pede a garota. - Por favor. - Lara encara o olhar de medo dela e acaba sorrindo em resposta.
- Tá bom.
- Obrigada.
- E se alguma acontecer vom você?
- Não se preocupa com isso. - Mesmo eu sabendo que ela vai.
- Você sabe que eu vou.
- Só... faça o que eu disse.









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