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  Lara está nessa terra a tanto tempo quanto qualquer outra história antiga. E mesmo assim tem a mentalidade igual a de uma criança... Deve ter algo faltando. Isso pode ser por causa dos outros hospedeiros que já teve, outros eu. Talvez o fato de que ela ficasse presa o tempo todo e sempre que um hospedeiro morresse, Toby se dava ao trabalho de arrumar outro com capacidade o bastante para aguentar... Mas se isso estiver certo, então quer dizer que é apenas questão de tempo até eu ser substituído. Não. É diferente agora. Eu tomei o lugar de Toby, essa garota agora está comigo e mesmo que eu morra, ela ainda vai estar sob minha posse. Não gosto de prendê-la a mim, mas pode ser ainda pior se eu deixá-la livre. Ela não tem capacidade para se virar sozinha ainda, ela é fraca mentalmente, não é capaz de muita coisa e sem sangue... Ela não duraria muito lá fora com a mentalidade que tem. Preciso continuar fazendo com que ela precise de mim, até estar capacitada a se virar sozinha, mas até lá, não permitirei que saia de perto de mim.

  08:31 PM. Sentado na cama, com as costas contra a parede, um cigarro na mão e Lara sentada entre minhas pernas, deitada com a cabeça no meu ombro, desenhando algo que até então não consigo entender enquanto passo a mão pelo seu cabelo. Tomas e Amanda estão do outro lado do quarto assistindo algo no celular. Tenho acesso à Internet da escola e parece que vou precisar disso eventualmente.
- O que tá desenhando? - Pergunto.
- Como se desenha algo que não pode ser explicado?
- Você que deve dar ao desenho o nome que quiser.
- Como assim?
- Se você desenha algo e não consegue explicar o que é, é normal que você o nomeie e dê um sentido a ele. Então, o que tá desenhando?
- Eu.
- Por que?
- Bom, você diz que eu sou inexplicável, dificil de entender como funciona minha existência, acho que combina, né? Vou chamar esse desenho de... Lara.
- Você... Sua representação no papel é bem...
- Bem...?
- Peculiar. - Ela ri.
- Posso dizer a mesma coisa dos seus desenhos, a maioria, você não consegue explicar também.
- É.
- Acha que estou melhorando?
- Quase melhor que os meus.
- Quase lá. - Ela volta a desenhar de onde parou.
  Chega uma mensagem de Luce e começamos a trocar mensagens e até então, seu humor está idiota e alegre assim como sempre que conversamos por mensagens. Conversamos sobre assuntos aleatórios por um tempo até ela decidir voltar a estudar. Tomas e Amanda voltam para o quarto, e Lara abaixa as pernas antes deles entrarem.
- Vamo ouvir música? - Tomas pergunta. - Tenho uma caixa de som pequena. Qual banda vocês querem?
- Nirvana. - Amanda diz ao mesmo tempo que eu.
- Nirvana então... - Ele puxa uma pequena caixa de baixo da cama, do qual havia vários pen-drives com o nome de cada banda escrita na lateral.
- Nirvana... Achei.
- Quantos pen-drive tem aí dentro?
- Entre vinte a trinta, mais ou menos.
  Ele encaixa o pen-drive no aparelho e dá play em uma música aleatória começando a tocar "Where Did You Sleep Last Night".
- Sobre o que fala essa música? - Lara tira a atenção do papel e vira o rosto para mim.
- Se refere a alguém preocupado, insistindo em saber onde sua garota havia dormido noite passada.
- Um pai?
- Pode ser. Há diferentes formas de se interpretar uma música.
- E existe músicas em outros idiomas?
- Uhum.
- Você vai me ensinar outros idiomas?
- Não.
- Por que?
- Não tem motivos para você aprender outros idiomas.
- Mas-
- Não me faça repetir, Lara.
- Tá bom. Tá bom. - Deixo meus braços em volta da sua cintura e deito a cabeça sobre o seu ombro.
  Quando a música acaba, começa a tocar Bring Me the Horizon - "Don't Go".
- Ué.
- Ah, tinha esquecido que tinha colocado essa aqui também. Eu usei o pen-drive dessa banda para colocar outra coisa.
- Eu gostei dessa música. - Diz Lara. - Mas já ouvi, você tem no seu celular. Né?
- Uhum.

  09:22 PM. Saio do quarto com a bebida e a carteira de cigarro. Tomas e Amanda já haviam dormido antes disso e Lara insiste em vir comigo agarrada ao meu braço, onde seguimos para o pátio. Hoje está menos frio, mas não tem como isso estar ruim. Tracy ainda não chegou, então posso começar sem ela. Nos sentamos em um banco longe dos outros alunos. Mesmo tendo tocado o toque de recolher, ainda tem alunos por aqui. Nem deveriam ter colocado esse toque de recolher com esses seguranças incompetentes em volta. Abro a garrafa e bebo um pouco direto, o gosto disso eu consigo sentir agora, mas ainda não faz o efeito que eu queria... Lara fica brincando com a lanterna do meu canivete. Acabo recebendo uma mensagem de Luce pedindo para que eu fosse ao seu quarto mais tarde.
- Ei.
- Hm?
- Por que conhece tantas garotas? - Ela aponta a lanterna na minha cara.
- Qual o intuito dessa pergunta?
- É que...
- Abaixa isso. - Ela faz o que eu digo e desliga a luz dessa coisa.
- Você conhece Luce, Amanda, essa garota que vai encontrar agora e até aquela tal de... Anna. Como e por que conheceu elas?
- Foi por um mero acaso, mas isso não importa.
- Tem algo em mente? Planeja  conquistar todas elas?
- Não. Não planejo nada disso. Coisas aleatórias acontecem e essa é uma delas. Além disso, é bom passar o tempo com pessoas que possuem assuntos interessantes.
- Hmm.
- Você pode não lembrar, mas no início, eu passava o tempo bebendo com Tomas também.
- Entendi.
- Me avise se estiver com frio, vou te levar de volta pro quarto.
- Eu tô com seu casaco, então não tô com frio.
  Tracy adentra o gramado e vem até nós, ela acena para Lara e senta do meu lado. Com uma toca na cabeça e o resto da roupa toda preta, calça jeans, blusa de frio e seu tênis. Dou o garrafa pra ela que tava na minha mão e ela vira sem pensar em muita coisa.
- Oi.
- E aí. - Lara a encara, se esforçando para dizer algo.
- Oi... Ér... Me desculpe por... mais cedo.
- Tudo bem. Eu não pensei que ela viria também.
- Ela insistiu.
- Acho que é o óbvio que aconteça. Parece que ela se importa com você.
- É claro que eu me importo! - Ela responde. Mesmo se desculpando pelo que aconteceu antes, ela ainda parece ter algo contra Tracy.
- Ah... Então, você virou vice-líder da sua sala.
- É claro que você sabe.
- Houve reunião de líderes hoje de tarde. E você não compareceu.
- Você também é.
- Vice.
- Vai estar na segunda fase também.
- Não estou animada para fazer essa merda, é trabalho demais pra mim.
- Acho que a maioria pensa dessa forma.
- E mesmo que vencemos essa coisa... eu não sei que carreira devo seguir.
- Agora que você mencionou, eu também não tenho nada em mente em relação a isso.
- Não sei se pode ser tão ruim assim...
- Ir direto para faculdade?
- É, mas também pode ser bem ruim.
- Por causa dos conteúdos que podem cair.
- Pois é.

  11:19 PM. Estamos conversando a um bom tempo, a bebida fez com que ela ficasse de bom humor e agora está rindo mesmo com pouca razão pra isso. Lara acabou dormindo sobre o gramado e ainda há um pouco mais da metade da garrafa. Ela incomodada, tirou sua fanja de cima do olho, mas não consigo ver muito bem por causa do escuro. Ela fica bonita com a franja jogada de lado desse jeito.
- E o seu nome, como é completo?
- Tracy Eduarda Whinchester.
- Por isso te chamam de Duda... E esse sobrenome é da lenda da familia Whinchester?
- Pode ser, mas eu não sei. Eu nunca me importei muito com a história por trás da minha família. Diferente de mim, os meus pais tem orgulho de carregar este sobrenome.
- Interessante.
  Lara acorda num salto rápido, assustada. Pego o canivete da sua mão antes que acabe se machucando.
- Cadê... Onde está? Ethan?
- O que tá procurando?
- Meu urso. Onde tá meu urso?
- Você deixou no quarto. - Ela relaxa um pouco e volta a se sentar ao meu lado. Passo minha mão no seu cabelo e pela sua bochecha, a acalmando. - Você sonhou com aquela garota? - Lara tira o olhar de mim, olhando para as próprias mãos. - Quer voltar pro quarto? - Ela afirma com a cabeça. - Certo. Já volto, Tracy.
- Ok.
- Não toma tudo antes de eu voltar.
- Então é melhor voltar logo.
  Guardo o canivete no bolso da calça e me levanto segurando a mão de Lara. Ao sair do pátio principal, começo a sentir algo estranho, sinto a presença de alguém na minha frente, mas não vejo nada. Paro de andar e Lara ainda com sono me olha curiosa.
- Tudo bem?
- Sim. - Isso deve ser coisa da minha cabeça. Estendo minha mão em direção a essa presença, mas nada acontece.
- Ethan? - Lara não sentiu nada, então não devo me preocupar. Volto para o dormitório com ela enquanto respondo Luce. Me afastando cada vez mais dessa sensação diferente.
- Como foi o sonho com a criança?
- Foi como se... Fôssemos rainhas. Usávamos roupas com detalhes de ouro e prata, mas eu não me lembro de onde estávamos.
- É? - Além dela aparecer como um fantasma quando morava com a minha mãe, ela também esteve no mundo dos sonhos e por algum motivo, Lara a reconhece. Aquela garota de cabelo prateado... Também tinha relação com os egípcios assim como Lara? - Como era mesmo o sobrenome daquela garota?
- Como...? Eu não me lembro.
  Ela deita na cama e me sento ao seu lado, me pedindo para ficar até dormir e assim faço.
- Você ainda vai demorar muito lá com ela?
- Não. Acho que não. - Desamarro seu cabelo, se espalhando sobre o travesseiro. - Por que?
- Eu quero que durma comigo.
- Você vai ter que esperar um pouco mais. Quando você dormir, eu vou estar aqui.
- Só... Não faça nenhuma besteira. Tá bom? - Eu afirmo com a cabeça e ela encosta sua mão no meu rosto; lhe dou um beijo, a deixando a vontade para dormir em paz. Saio do quarto e volto para onde Tracy está. Continuamos a beber e até agora nenhum de nós dois chegou ao limite.
- Aguenta mais uma?
- Só mandar. - Ela dá risadas e eu acabo achando graça de como sua voz acabou saindo nas últimas palavras.
- Resta só mais um pouco, vamos fazer o seguinte...
- O que tá planejando? - Entrego a garrafa para ela e acendo outro cigarro. Um pouco curiosa, ela me encara. Ao que parece, ela já entendeu o que eu planejo.
- Isso vai dar ruim.
- Essa é a ideia.
- Até onde aguentar?
- Até onde conseguir.
- Acho que não vai sobrar pra você.
- Então, vai em frente. Apenas uma virada, tome o quanto conseguir.
  Ela dá um forte trago no cigarro e vira a garrafa na boca sem soltar a fumaça. Enquanto ela toma cada gole, sua ânsia volta umas duas vezes até tirar a garrafa. Ela coloca a mão na boca antes que algo saia para fora e seus olhos lacrimejam, o cheiro das feridas do seu braço fica mais forte após isso.
- Sua... Aaah... - Sua voz falha seguidos de toces. - Sua vez.
  Eu pego a garrafa da sua mão, ainda resta mais um pouco. Viro a garrafa na boca e sinto o álcool passar rasgando pela garganta. A cada gole, um corte mais satisfatório. Tiro a garrafa quando tenho certeza de que tomei tudo.
- Parece que eu venci. - Sinto minha voz falhar e parece que a temperatura agora aumentou uns 15 graus.
- Eu venci.
- Ainda tinha bastante quando você terminou, então eu tomei mais que você.
- Você não tem como provar isso.
- Então, foi um empate.
- Não. Eu venci.
- Ei...
- Tá bem. Foi um empate.
  Dou mais um trago no cigarro e coloco a garrafa vazia do lado.
- O quão bêbada está?
- O bastante para fazer qualquer loucura.
- Qualquer loucura?
- Qualquer loucura. Eu nunca tinha bebido desse jeito.
- Como?
- Tomar uma bebida tão forte inteira. Geralmente deixo pela metade ou termino com um energético.
- É. Dê uma ideia do que podemos fazer ainda. Você não parece com sono e eu também acho que não.
- Eu não sei. Vamos ficar conversando até um de nós acabar morrendo. Eu ainda te devo uma resposta.
- Então, aqui vai minha pergunta: Por que um de seus olhos é mais claro que o outro?
- Sabe o que é o olho da morte?
- Agora você me deve outra pergunta, mas sim, eu sei o que é um "olho da morte". Um olho com cor diferente capaz de ver a próxima pessoa que irá morrer.
- Você acredita?
- Com as coisas que vi até hoje, não duvido que alguém com isso exista. Apesar do nome não ser tão criativo.








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