A dor tomou conta de Camila como uma tempestade implacável. Ao desembarcar no Rio, uma enxurrada de repórteres e fotógrafos invadiu seus sentidos, cegando-a com flashes e ensurdecendo-a com suas perguntas impertinentes. Seu mundo parecia ter se transformado em uma agitação insuportável, mas seu foco estava claro: ela precisava ver o corpo. Não importava o caos ao seu redor, nada importava. Ela só queria saber. Queria acreditar que seu pai estava vivo.
— Camila, você quer comer alguma coisa? Descansar primeiro? — Amarildo perguntou, seu tom preocupado se misturando com o barulho da multidão.
— Não. Quero ver se é meu pai ou não. Vamos acabar logo com isso! Tenho certeza de que não é ele. E as buscas não podem parar. Meu pai está vivo! — ela falava, suas palavras quase soando como uma oração, mas a dúvida já começava a se infiltrar em seu peito, como uma sombra.
O carro seguia rápido, o som abafado pelas palavras e pela tensão que preenchiam o ar. Quando finalmente chegaram ao necrotério, Camila sentiu o peso da realidade se esmagando sobre seus ombros. O cheiro do lugar, o silêncio pesado, tudo parecia confirmar seus piores medos.
— Camila, né? — perguntou o médico legista, sua voz grave cortando o silêncio. Ele parecia já esperar pela dor que estava por vir. — Camila, devemos informar que quando encontramos o corpo, ele já estava em estado de decomposição. Nós fizemos o melhor para que ele ficasse de forma apresentável, mas não aconselho que entre sozinha. É melhor que vá com uma pessoa.
— Eu vou com você. — Luan disse, seu tom firme, mas sem conseguir esconder a fragilidade de seu próprio coração. Camila assentiu, sem palavras, e os dois seguiram o médico para dentro.
Os passos ecoaram por um corredor frio, e, ao se aproximarem da sala, Camila sentiu uma pressão crescente em seu peito. Ela sabia o que estava prestes a ver, mas ao mesmo tempo não queria ver nada disso. Não queria aceitar. Não queria que fosse verdade.
— Por aqui — disse o médico, guiando-os até um corpo coberto por um lençol branco. — Nós realizamos todos os testes e o DNA encontrado foi favorável à pessoa que vocês procuram, mas precisamos da confirmação da família. Eu sei que é um momento difícil, mas fizemos o possível com o que nos foi entregue.
Aquelas palavras não tinham mais sentido para Camila. Ela estava em transe, o som de sua própria respiração se tornando distante, abafado, enquanto sua mente tentava resistir ao que estava prestes a ser revelado.
O médico levantou o lençol, e o rosto do homem foi revelado. Camila olhou para aquele corpo e imediatamente soube. As feições estavam distorcidas pela decomposição, mas ela o reconheceu. O rosto, a pele cinza e inchada, tudo estava ali. Era ele. Era o seu pai.
— NÃO! NÃO! NÃO! NÃO PODE SER! PAAAAAAAAAAAAAAAAA! PAAAAAAAAAAAAAAA! — Camila gritou, o som de sua voz ecoando pelos corredores, como um grito de dor pura. Ela se atirou sobre o corpo dele, o sacudindo em desespero, tentando fazer com que ele a ouvisse. — PAI, FALA COMIGO! — suas palavras eram entrecortadas pelo choro, pelo horror. O corpo estava gelado, rígido. E ela não podia acreditar.
— Camila, calma. Vem aqui. — Luan tentou segurá-la, tentando afastá-la do corpo, mas ela não queria ser tocada. Não queria ser retirada dali. A dor era esmagadora, como se sua alma estivesse sendo dilacerada por mil facadas.
— ME SOLTA! É MEU PAI! É MEU PAI! MEU PAI... MORTO! MEU DEUS!!! PORQUE, POR QUÊ? PAI... EU... EU... EU TE AMO TANTO PAIZINHO! NÃO ME DEIXE. EU... EU... — suas palavras se perderam, uma mistura de lágrimas e gritos. Ela caiu de joelhos, o mundo girando ao seu redor, e então a escuridão tomou conta.
Os últimos pensamentos de Camila se perderam no abismo da dor. O calor da lágrima escorrendo por seu rosto não significava nada mais. Ela queria, de todas as formas, acreditar que aquilo era um pesadelo. Mas não era. Seu pai estava ali, diante dela, morto. E agora, ela estava sozinha no mundo.
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ABISMO
Roman d'amourEla está afundando. Ele está brilhando. Mas e se, no fim, ambos estiverem perdidos? Camila sempre teve tudo: dinheiro, privilégios, excessos. Mas quem olha de perto vê as rachaduras - festas intermináveis, vícios perigosos, mentiras que a sufocam. E...