Capítulo 46

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Maitê
A paz habitual me envolve quando chego ao estúdio da Lívia. Zara já está me esperando, sentada em seu tapete. Ela parece uma profissional, vestida no que imagino que seja roupa de ioga assinada por algum designer famoso.
Maitê: Estou me sentindo meio simplória (digo, desenrolando meu tapete ao lado dela. Ela RI, suave e baixinho.)
Zara: Vc parece qualquer coisa, menos simplória, Maitê. Estava passando pelo shopping e vi a liquidação. Ah! Eu trouxe uma pra vc também. (Entrego a ela uma blusinha preta) acho que vc é do mesmo tamanho que eu.
Maitê: Zara, não precisava.
Zara: Uma pechincha.
Maitê: Eu adorei. Ei! Nós precisamos sair pra fazer compras uma hora dessas. (Eu vou escolher as minhas próprias roupas. Minha mais recente aventura nesse campo pode ter acabado de forma maravilhosa, mas apenas porque meu cérebro decidiu me permitir lembrar alguma coisa. Tenho noção de que poderia ter sido bem diferente. Os olhos dela brilham.
Zara: Sim!
Lívia: Vamos lá, matracas. Esse lugar hoje já não está tão calmo.
Maitê
Olho para Zara com cara de "Oops" e logo ambas sentamos cada uma em seu tapete e fechamos os olhos.
Paz. Aqui estou eu de novo, e deixo que ela me invada.
Mais para o final da sessão, estou deitada de costas, relaxadíssima, com o corpo leve. Estou absorta, muito calma, quando imagens começam a surgir uma após a outra na minha mente, não entro em pânico ou choque. Em vez disso, permaneço imóvel, absorvendo as visões distorcidas e nebulosas, como se viessem de um protetor antigo. Visões do William e, pela primeira vez, de Luna e Gabriel. Sinto-me apertando os olhos, tentando guarda a imagem dos dois deitados no peito do pai, pequenos pacotinhos, o rosto do meu marido enfiado entre a cabeça deles. Sinto uma lágrima correr pelo meu rosto e se perder na minha orelha. E então as imagens desaparecem. Mas não para sempre. Elas jamais sumirão para sempre.
Zara: Maitê?
Maitê
Um toque suave no meu ombro me desperta e pisco ao abrir os olhos, dando de cara com Zara, que me olha de cima.
Levo um tempo para entender onde estou, até ver Lívia saindo da sala.
Maitê: Acho que peguei no sono. (Minha voz soa grave e não sei se é pela emoção ou pela sonolência. Zara sorri, seu rosto simpático parece mais feliz.
Zara: Vc tem razão. Lívia é incrível! Eu esperava que pudéssemos sair pra um café, mas acabei de receber um e-mail do trabalho. Tenho que resolver um problema idiota com um projeto.
Maitê: Tudo bem. Eu também não posso sair pra um café hoje. (Não posso? Por que não poderia? Posso sim e acho que devo, embora hoje eu vá sozinha. Posso sair para tomar um café sozinha, sem problema. Deveria fazer algo sozinha.
Zara: Não?
Maitê: Meu marido... Nós passamos por uns maus momentos ultimamente. Ele anda um pouco protetor demais. Ele se preocupa comigo.
Zara: Puxa... Eu vou te ligar. Vamos marca de sair e vc me conta tudo sobre isso.
Maitê
Dou um sorriso, embora não tenho ficado lá muito entusiasmada com a sugestão. O que eu mais gosto nos meus cafés com Zara é o fato de que não tenho que falar das minhas desventuras, porque ela não sabe delas.
Maitê: Acho que vai ser bom.
Zara: Obrigada por me deixar invadir a sua sessão, Maitê. Significa muito para mim
Maitê
Ela me beija e sai correndo, deuxando-me sozinha na sala. Talvez seja uma tolice, mas fecho os olhos novamente, torcendo para que as lembranças voltem. Depois de uns bons cinco minutos, desisto, dizendo a mim mesma para ficar feliz com o que consegui.
Deixo Lívia com um beijo agradecido, pronta para processar a sessão com um café, mas quando saio para o ar fresco, encontro William esperando por mim.
Ele faz uma carinha triste para mim ao lado do carro, os olhos de filhote de cachorro implorando para eu não ficar zangada com ele. Paro no ato e inclino a cabeça, apertando os lábios em uma falsa desaprovação.
Maitê: Eu te amo. (William me dá um sorriso bobo, como se aquelas três simples palavras fossem a resposta para tudo. Verdade seja dita, são mesmo.
Não consigo ficar brava com ele. Estou leve demais com o efeito da hora passada com Lívia e com a lembrança que tive. Então, em vez de esfolá-lo vivo, vou até aquele homem lindo e só meu e abraço apertado. Dá para sentir que ele ficou surpreso com a falta de resistência, porque há alguns segundos de atraso na retribuição do carinho.
William: Onde está a minha esposa?
Maitê
Dou um sorriso e me afasto para olhar para ele.
Maitê: Eu vi vc! (Tenho que reprimir o desejo de sair pulando pela rua.) Estava tão relaxada que vi vc na minha mente. Foi tão claro. Eu te vi com os gêmeos no colo quando eles nasceram.
William: Mesmo?
Maitê
Seu rosto se ilumina de felicidade e ele me pega e me gira no ar no meio da rua. Dou risada e não me sinto um mínimo de tontura.
Porque meus olhos estão colados nos dele.
Continua...  

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