Capítulo 14

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Abrir os olhos foi doloroso. Respirar acordado, torturante. Mexer qualquer parte de mim, uma batalha. Parecia que tinham desmontado meu corpo e recosturado de qualquer jeito. A luz ambiente fazia as formas ao meu redor tornarem-se borrões e só consegui definir quem me fazia companhia pelo som da sua voz.

--- Então,  muita dor?--- A voz de Samuel era caridosa. Mas, eu poderia detectar sarcasmo nela.

--- O que você está fazendo aqui? --- falei arrastado. Passei a língua pelo interior da minha boca e senti pontos na bochecha.

--- Eu trabalho aqui, esqueceu?-‐- verdade, ele era o responsável pelo laboratório do hospital.

--- Onde está a Nayla?--- tentei me ajeitar na cama sozinho. Não consegui e precisei da sua ajuda.

--- A ruiva gostosa do cachorro é do gato?--- acenti com a cabeça já querendo dar um soco naquela cara de safado dele pelo, "gostosa".--- Eu mandei ela pra casa. Depois dos diagnósticos, e de saber que sobreviveria, não poderia ficar com você e com aqueles bichos por aqui. Prometi que te acompanho até ter alta e depois te dou uma carona.

Sentado na cama, escorado pelos travesseiros, a visão foi melhorando e a imagem do meu amigo à minha frente ficou mais nítida. Se tem uma pessoa que amo tanto como meu irmão e Any, é ele.

O ruivo foi meu primeiro amigo no Brasil. Estudávamos juntos e ele sempre me defendia dos bullying que as outras crianças faziam comigo por causa do meu português errado, meu sotaque estrangeiro e principalmente pela minha aparência. Aos doze anos eu era o patinho feio que nem ele era. Os nerds da sala e os rejeitados das garotas.

O aparelho ortodôntico que as famílias nos obrigaram a usar também nos proporcionavam momentos frustrantes. Mas, crescemos e felizmente a natureza se fez gentil ao longo desse nosso amadurecimento nos transformando em belos cisnes.

Eu fiquei o moreno de olhos verdes, corpo nem tão sarado, já que a preguiça por exercício físico me domina mas, pelo menos agora, as garotas me cobiçam.

O Sam, entrou para o exército. E lá eles deram uma endireitada no físico dele. Os olhos azuis são a sua marca registrada. As sardas, com o tempo diminuíram no seu rosto e aquela piada boba de cabelo de fogo perdeu a graça. Já que o vermelho deixou de ser tão intenso e mesclou-se à um acobreado.

E as garotas? Bom, eu fiz a minha coleção. O Sam? Ele ainda é o nerd de dedo podre que sempre se apaixona pela pessoa  errada. E para piorar a situação, a família dele que é  de descendência Israelita, vive querendo casar ele com alguma árabe ou judia que tenha uma gorda conta bancária ou um pai com um bom engajamento político que facilite  os negócios do irmão.

--- Eu senti muito a sua falta, seu idiota! Não precisava ter fugido para o exterior por causa daquele contrato de casamento, eu teria o maior prazer em processar o Davi!--- brinquei apertando com força a mão dele e o puxando para um abraço.

A ideia maluca de encarar uma missão pós tragédia no Haiti nos afastou por longos seis meses. Claro que houveram outras mais perigosas. Mas, essa foi num dos piores momentos da minha vida e precisava dele ao meu lado.

--- Eu não fugi, você sabe o quanto eu gosto de bancar o herói! E depois, perder a gata para uma outra garota não é o fim do mundo!--- ele intensificou o abraço em meu corpo. --- Mas, eu sinto muito mesmo pelo seu irmão...--- A saudade ali era imensa. Ainda não tínhamo nos falado pessoalmente depois do seu retorno.

--- Isso já aconteceu com você, por acaso? Digo, perder a namorada para uma outra garota?--- enxuguei uma lágrima que fugiu quando lembrei do meu irmão.--- Obrigado por você ter me ouvido... Eu sei que fui chato mas, ele era tudo pra mim.

Armadilha do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora