Capítulo 65

1.8K 237 37
                                    




Amelia Archeron


      Fazem dias que não saio deste quarto, e não tenho qualquer interesse em fazê-lo — porém, meus livros acabaram, e preciso conseguir mais. Não posso ficar sozinha com o silêncio que ressoa por minha mente. Não posso.

       Lutar com aquele illyriano mesquinho foi uma má ideia. Uma péssima ideia, por motivos que agora todos sabem sobre a espada — e irão querer saber mais sobre ela. Usar como uma arma. E honestamente não tenho sequer animo para sair da cama. Só quero ler meus livros em paz.

        Além de tudo... a conversa com Az me quebrou de todas as maneiras possíveis. Não sei se posso me sentir um pouco aliviada por vivenciar ódio, é uma emoção, no fim do dia. Mas o ódio é por mim mesma, por tê-lo machucado do jeito que vi espelhar em seus olhos.

        Aquela grande pilha que Azriel tinha comprado para mim a meses acabou a algum tempo, e desde então a Casa vem me abastecendo com os livros que sabe que vou gostar — nenhum deles sendo sobre física, biologia ou matemática; apenas romances, fantasias, suspenses e distopias. Minha cabeça não está tendo energia para... pensar. Livros são uma distração, e ponto final. — Todavia, hoje, decidiu não colocar nenhum livro sobre minha mesa de cabeceira; e estou surtando.

        Vazio, silêncio e escuridão voltaram como predadores, prontos para me atacarem, mais raivosos do que nunca. Não posso deixar que me peguem, não posso.

        Mesmo pedindo e suplicando a Casa não me dá os livros ou chama Nuala e Cerridwen para que eu possa pedi-las... portanto, me encontro com duas opções: Derrubar os escudos e chamar alguém eu mesma, sendo, consequentemente, obrigada a interagir com eles; ou, ir eu mesma pegar os livros.

         Prefiro andar por essa casa inteira a arriscar esbarrar com um membro do circulo íntimo.

         Coloco as minhas antigas roupas, de calças e blusa de manga feitos de malha e algodão, eram pretos. Estavam... tão largas. Só então reparo em minhas mãos, minha barriga à mostra — estava tão magra, tão magra que não parecia feérica, com aqueles corpos poderosos. Minha pele não brilhava com aquela aura sobrenatural, eu era pálida. Talvez só estivesse melhor do que quando voltei do Inferno, já que os machucados não estavam mais ali; tudo fora curado, e eu tinha poucas cicatrizes, finas e pequenas... Imaginei o quão forte minha magia de cura seria para curar lesões tão horríveis.

         Caminhei até a porta, e estou frente à frente com o ônix e feitiços.

          Eu errei, não vou conseguir atravessá-la.

          Não consigo.

          Assim que passar por ela vou ter que lidar com o mundo ao me redor, e não estou pronta para isso — talvez nunca esteja.

          Mas é tudo ou nada — ou fico aqui e enfrento o silêncio, ou saio e enfrento o mundo. Não sei qual é pior.


*********


        Passar pelos corredores luxuosos e compridos da Casa do Vento foi, no mínimo, aterrorizante. Ainda mais porque quando me aproximei das portas largas de obsidiana da biblioteca privada, onde costumava treinar com Amren e ler — agora a memória parece tão distante... — Me detive a alguns passos, deparando com um aroma familiar vindo de lá. O aroma de Lilian, como uma pilha de frutas vermelhas e menta, e o de Amren, do mais refinado dos perfumes, bem intenso, envolvido com sangue.

        Amren sentiria meu cheiro em segundos, e viria em minha direção tomar satisfação. Não quero, de jeito nenhum, enfrentar qualquer uma delas. Faço um escudo de vento transparente, como uma película ao meu redor, e agrego mais da essência da Casa em si ao ar. Dissipando qualquer sinal de mim.

Corte de borboletas da morteOnde histórias criam vida. Descubra agora