Long live the mountains we moved

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Narradora


     O vento se desdobrou e transigiu. O espaço se adaptou para receber a mudança, e, de um instante para o outro, Amelia estava viajando entre as curvas da eternidade.

      Inspirando pelo nariz, ao sair do transe de atravessar, o cheiro de maresia doce cresceu e inundou seus pulmões cheios de ar fresco.

      Acolhida pela névoa da nascente que despontava do topo da colina, ela abriu seus olhos. A multidão de depressões e planaltos, em meio às serras e vales, tocavam as nuvens gris com seu esplendor de árvores secas e verdes; o céu era coberto pelas nuvens e bruma frias, no entanto, mostravam-se frestas do céu cobalto sobre elas — o que, para época, era algo de se impressionar.

      Haviam sinais da chuva do dia anterior, daquela madrugada, como o rio cheio, afundando a ponta de algumas pedras na margem; as gotículas de água no ar; a umidade nas pedras e na grama; e as poças congelando, criando películas de gelo finas sobre si.

       Um nevoeiro frio se fundia com a brisa marítima e a pressão resultante da altura — qual não incomodava Amelia, acostumada a altitude da Casa do Vento. — Tudo junto no ar poderia ser o suficiente para um arrepiar percorrer a coluna da fêmea, mas o espanto, a curiosidade, foi maior.

      Amelia virou o pescoço para Azriel ao seu lado, inabalável, mesmo com todo o frio do local onde os atravessara. Talvez as sombras o protegessem, pensou ela, e, talvez, estivessem a protegendo de não ser congelada também.

       — Por que estamos aqui? — perguntou Ames para Az.

Não era nada surpreendente que ele não comentara nada com ela sobre a noite que passaram na Colina de Faven desde que buscara-a de manhã nas portas da Casa do Vento. Permaneceu indiferente, como se não tivessem passado a madrugada inteira assistindo as estrelas caírem como a água de uma cachoeira em lentidão, se perdendo na cadeia de montanhas brancas.

      A Colina de Faven era um pico no oeste da Corte Crepuscular, e com o sol surgindo no horizonte ao leste, tinha uma visão privilegiada do alvorecer. Faven era conhecida pela grandiosidade dessas vistas. Nomeada, de acordo com as lendas mais antigas, em homenagem à deusa antiga do nascer e pôr do sol; porque fora ela quem a criou, para assistir seu poder tomar o mundo no fim das noites e dias, com seu amante.

      Faven não era uma deusa amável, era óbvio. Ela surgiu de algo instável — nem dia nem noite, nem equilíbrio nem caos. Um percurso inevitável.

       Uma passagem.

       Um delimitar.

       — Amren requisitou que nos encontrássemos aqui primeiro — explicou Azriel, com as sombras o rodeando, densas; e dando passos silenciosos, mesmo com a grama cheia de folhas e galhos. Amelia nunca entenderia como, ainda que tivesse vivido semanas no inferno, então o seguiu com passos que estalavam baixo ao encalço do mestre-espião. — Não me disse o porquê, só deu a ordem.

      Amelia apertou as mãos enluvadas em punho, arrependida de ter optado por usar apenas couro illyriano. Fora seu uniforme numa época onde sua respiração não se condensava aos meros olhos. Era quente, mas não o suficiente.

      Os passos de Az ficavam cada vez mais pendidos para se virarem conforme eles davam a volta numa pedra — o topo da parte mais interna da montanha.

      — Tem alguma ideia da rasão? — indagou Amelia, colocando os pés exatamente onde ele os pôs, a uns bons dois metros de distância.

      A beirada da montanha se estendia num solavanco, simples e brutal, para um fim certo. A Morte com quem duelou esperava à chegada, de braços abertos, para quem desse um passo em falso, ou certeiro demais para os já mortos por dentro.

Corte de borboletas da morteOnde histórias criam vida. Descubra agora