Capítulo Três

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Sarah

Minha cabeça lateja. Aperto os olhos com força para aliviar a dor, inutilmente. Os ataques Vermelhos ficaram mais frequentes em Marrons, como se os Azuis reclamando não fossem suficientes. Não tiro a razão deles, é claro; pessoas foram mortas, famílias foram separadas, casas destruídas. Além de relatos sobre Vermelhos com poderes, que estavam infiltrados, mentiram e se aliaram, agora ficam cada vez mais fortes. Graças a quem? Minha querida mãe, obviamente. Ela quer vingança por seu povo, tem sede de sangue. Era questão de tempo até meu pai descobrir a verdade sobre Adelyn, ela se cansou de esperar e se revelou por si só. Os matadores não ficam mais ao Sul, migram não se sabe para onde. Deveria ter contado a origem dela desde que soube. Fui fraca, não agi bem o suficiente. Honestamente, se pudesse teria saído daqui a momento em que fiz dezoito anos e levado minha irmã junto, mas não posso, sou a próxima governante de Livermoony, quase uma princesa herdeira dos contos de fada, mas sem o título.

E agora aqui estou eu, com uma papelada em mãos, analisando depoimentos de vítimas dos Vermelhos com peritos ao lado. "Soltam fogo pelas mãos, me deixaram cego, movem objetos sem encostar—se a eles e trocam a cor dos olhos quando bem entendem." Mas da última parte eu já sabia bem.

— São esses os depoimentos? "Atacam em grupos de quatro, aleatoriamente, o único padrão entre as vítimas é que as matam." — pergunto, quebrando o silêncio.

— Sim, senhorita. Todos dizem a mesma coisa, sem nenhuma informação nova.

— Isso não faz nenhum sentido. O que querem dizer? Que são matadores sobrenaturais? Com poderes extraordinários? — Endireitei a coluna e olhei para meu pai, na procura de alguma resposta. Ele me encara de volta, mas não responde ao meu olhar.

— Suponho que mintam, não existe esse tipo de coisa. Somente Azuis e Marrons inferiores foram atacados... — Odeio essas reuniões, odeio a hierarquia, odeio a maneira que tratam pessoas como inferiores pela cor dos olhos: não é como se você escolhesse como vai nascer.

— Pare — Estendo a mão e me mantenho impassível. Lanço outro olhar a meu pai. Ele continua parado, olhando para mim, e está tenso. Nunca fica tanto tempo sem falar nada. Pensa e fala demais, me lembra de Eleanor, quem não vejo faz tempo. Ela deve estar por aí com o menino Miller, o Vermelho. Espero que esteja bem, apesar de sua companhia.

Alastair Livermoony é um bom mentiroso, mas nem tanto quando se trata de mim. Um bom mentiroso sabe identificar uma mentira.

— Sinto muito, senhorita, não quis... — Antes que pudesse completar sua frase, meu pai o dispensou com um gesto.

— Tudo bem, já entendemos, oficial. — Meu pai interfere, forçando o homem a se calar. — Sarah vai analisar os relatos e assim que entendermos o que aconteceu com essas vítimas, lhe passaremos a decisão final. Passar bem.

O Oficial entende o recado e sai rapidamente, obedecendo a seu senhor. Apoio os cotovelos na mesa e o encaro novamente. Algo bom que Adelyn me ensinou é como conseguir o que quer com determinação.

— Então, o que quer me falar? — indago, sabendo que ele me esconde alguma coisa, o que não é uma grande novidade.

— O que sabe sobre a história dos Vermelhos? — Responder uma pergunta com outra, fugindo da resposta. Inteligente.

—  Até onde me deixam saber. O que não está nos livros restritos...

— Por que você não pode ler livros restritos? — ele me interrompe.

— Porque "aquela é uma realidade que ainda não estou preparada para viver." — Faço aspas com as mãos, estou cansada de saber até onde da biblioteca eu posso pisar e onde é proibido.

— Você já é grande o suficiente agora, não acha? — Ele oferece sorrindo. É velho, tem cabelos grisalhos e finos, pálpebras caídas, pele enrugada. A marca do tempo se mostra cada dia mais e é bem visível agora.

— É sério? Nunca achei que fosse colocar meus dedos naqueles livros.

Meu pai não responde, só levanta e me guia pela casa como se eu não conhecesse cada canto. Andar por aí era meu passatempo favorito quando criança, todos os dias havia algo novo para olhar, algo bonito. Perdi as contas de quantas vezes fui até aquela biblioteca, nunca para ler, mas para irritar quem queria.

Com os anos, a curiosidade de descobrir o que ficava na seção restrita aflorava, mas nunca consegui entrar. Não herdei os dons de ladra da minha mãe.

Paramos em frente ao muro de madeira, que ficava dentro da biblioteca e separa a seção restrita das outras. Meu pai tira a chave do bolso e destranca a porta de ferro. Entramos. Ele me leva até uma prateleira específica e tira de lá um livro fino, de capa de couro, manuscrito. As letras em dourado foram coladas: Cor e Poder: A Origem.

Poder.

— Não é mentira ou um fenômeno. É real – digo e meu pai assente. — Eles têm poderes.

Uma guerra que não valia a pena tragar, eram seres matadores, letais.

Meu pai olha para mim, com um pesar compreensivo:

— E você também.

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