Capítulo Vinte e Sete

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Eleanor

Charlie não sai de onde estava, e nem eu.

—  Ah, não me ignore dessa maneira — ele diz e eu me levanto. O ódio me cega.

—  Não estou ignorando mais. Melhor?

Não recebi notícias dele nos últimos meses. Charlie havia simplesmente sumido.

Ele apoia Adelyn. Não se esqueça.

Não vou.

—  Vamos Eleanor, você é esperta o suficiente para saber que uma história não tem apenas um lado. — Ele sorri com escárnio. — E convenhamos, perder a confiança em um Vermelho para em seguida depositá—la em outro não é exatamente inteligente.

Não ouça. Não ouça. Não ouça.

—  Você mentiu pra mim. E eu confiei em você!

Não olho diretamente para ele. Não olho diretamente para nada, na verdade. Meus olhos vagam por diferentes lugares, por diferentes detalhes.

—  Fico feliz que possa perceber isso. — Ele aumenta o sorriso e analisa o lugar — Eu posso contar a verdade. Posso contar coisas que sua tutora não sabe.

E então, solto uma gargalhada.

Desabo sobre um suporte para bicicletas, com a cabeça apoiada na mão, e rio.

Mas não se trata do tipo de risada que acompanha uma piada.

Alyssa sabia mais.

Tinha que saber mais.

Entre uma risada e outra, digo por fim:

—  Não, não sabe.

—  Sabe, sim. Não duvide — Victoire interfere pela primeira vez.

Não havia notado a semelhança entre eles antes, mas agora, parece algo óbvio demais para não ter sido visto.

—  Você está mentindo de novo, está vendo? Não dá pra confiar em você! — respondo, ignorando Victoire. Minha voz se embargou entre palavras. Melhor não chorar.

—  Não seja ingrata, Eleanor — ele diz ríspido. — Se você está aqui, é por mérito meu. Você já estaria morta se não fosse por mim!

Perdi a paciência. Minha mão voa antes que eu pense em pará—la. A cabeça dele vira levemente com a força do tapa.

—  Você mudou, não? — Charlie sorri e leva a palma da mão à face.

Eu espero que não.

—  Não tanto quanto você — digo por fim, cruzando os braços.

Charlie ri. Soa como uma zombaria.

Desejo poder sair dali.

Desejo não precisar da verdade.

—  Você se esqueceu de novo, não é? — Estava zombando de mim. De novo.

—  Me esqueci de quê? — Uma resposta estúpida. Digna de alguém tolo.

—  O eu que você conhece não existe.

Por mais que parecesse uma frase de efeito retirada de um filme, era verdade. Não queria admitir, mas sim, era verdade.

Esqueci quem ele era.

Mas não esqueci quem eu era.

E não acho que seja possível esquecer.

—  Você não pensou que houvesse tantos Vermelhos ao seu redor por mera coincidência, pensou? — Passo as mãos pelo comprimento do meu cabelo. Estava cheio de nós — Lilieth: Vermelha...

Paro por um instante. Não, não era verdade. Não podia ser.

Quando passamos muito tempo longe, esquecemos de coisas importantes. Evito pensar nisso, mas já não lembro do tom exato de azul dos olhos de Zach, ou da risada de Sarah, nem mesmo da voz de Lily.

Acontece que não nos esquecemos de atitudes. Me lembro dela como alguém bom. Como uma pessoa incrível que costumava tirar fotos demais. Então, não poderia ser verdade.

—  Está mentindo de novo! Ela não é Vermelha. Mentiroso! — vocifero contra Charlie, mas ele me ignora completamente.

—  Seus pais: Vermelhos; A bibliotecária Dollabella: Vermelha... — Está mentindo. Precisa estar.

—  Pare! Por favor, pare!

Seu sorriso aumenta, e então Charlie começa a contar nos dedos.

—  Já foram quatro, não é? Há também a irmã de uma amiga próxima, Louise. Sua companheira de Jornal, Victoire; e por fim, eu e você.

Victoire estava sentada no chão, com semblante despreocupado. Como queria estar da mesma forma que ela.

Encaro as luzes muito abaixo do Morro dos Vagalumes.

Charlie tem razão.

Não o respondo. Somente tento sair dali o mais rápido possível. Péssima tentativa.

Ele agarra meu braço com força, me impedindo de ir para qualquer outro lugar.

—  Não é educado virar as costas enquanto outra pessoa fala, Eleanor.

—  Me solta — vocifero novamente.

Você é Vermelha. Use os poderes que tem.

Eu sou, é verdade. Genial.

Alyssa me ensinou que quando entro na mente de alguém, devo distrair a pessoa. Ou então, ficará óbvio demais que estou usando meus poderes.

—  Onde você esteve? — começo. Nunca entrei em uma mente diferente da de Alyssa. A sensação é estranha.

Esperava que estivesse bloqueada, mas não. O acesso foi fácil e rápido.

Fácil demais.

Charlie sequer respondeu, eu acho. Melhor assim.

—  Por que você não ligou ou enviou uma carta? — Somente preciso de álibi. Algo que os distraia enquanto eu fujo.

A extensão de sua mente estava ali para que eu fizesse o que quisesse. Qualquer coisa menos matar. Não sou como ele.

—  Por que você foi embora sem se despedir? — A última pergunta.

Tinham árvores por perto. Meu plano era jogá—lo com força numa delas, fazendo Victoire ir até ele, e assim, me dando a brecha perfeita para sair de perto deles.

—  Pensei que me amasse. Senti sua falta.

E uso força o suficiente para arremessá—lo para longe. Tal atividade me deixaria insuportavelmente cansada há um tempo atrás. Agora, não me incomoda tanto.

Charlie cai de costas em uma árvore grande. Ouço o estrondo enquanto saio dali.

Não é difícil. É só correr.

Victoire vinha atrás de mim. A última coisa que vejo antes de cair é um lampejo brilhante.

Ela é Soluxe.

—  Você se acha tão esperta... — Acho que a escuto dizer. — Se fosse, saberia alguns destes truques...

Nem minhas pernas nem meus braços se movem. Me mantenho totalmente parada. Minha cabeça dói.

Mantenho meus olhos abertos. Victoire tira algo azul, talvez preto de dentro do casaco.

É o livro, tola.

Não pode ser.

Mas parece que sim.

Não tenho certeza porque de repente o peso de minhas pálpebras parece demais para suportar.

Acho que eu já pensei que voltar para Livermoony fosse bom, talvez o que eu mais queria quando vim para Wivertown. Mas agora, caída no chão, a única coisa que quero é correr.

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