Capítulo 19

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Helena

Carla veio todos os dias, almoçava comigo e voltava para a cela. A Drª cumpriu a promessa de me deixar uns dias na enfermaria e mesmo ficando sozinha a maior parte do tempo, era muito melhor do que voltar pra cela.

Era noite de sexta e meu último dia na enfermaria, estava deitada na cama e tentando aproveitar as últimas horas ali sozinha mas eu não conseguia ficar quieta, tive pesadelos com aquele dia, sonhava estar coberta de sangue enquanto era estuprada mais uma vez.

Estava me virando mais uma vez na cama e parei de frente para o armário de remédios, cheio de ampolas, comprimidos e seringas. Meus olhos ardem mais o choro não vem, minha mente me mostrando maneiras de acabar com aquela angústia.
Não seria melhor colocar logo um fim?
O que tem pra mim nesse mundo? Mais dor?
Não tenho ninguém, não tenho nada. Não tenho motivo pra querer ficar.

Fecho os olhos com força e levanto da cama, alguns passos e estou de frente para a porta do armário trancado. Olho em volta e não vejo nenhuma chave, mas eu poderia quebrar o vidro facilmente... Abaixo a cabeça e passo a mão nos curtos fios de cabelo, e decido que é agora ou nunca.

Vou até a cama e tiro a fronha do travesseiro, enrolo na mão e dou um soco forte no vidro. Não quebra de primeira então dou mais um e no momento que o vidro de espalha em pedacinhos em minha volta a porta se abre.
— Porra. — não sei o motivo, mas por um segundo sinto alívio. E quando vejo quem está na porta o medo me engole.

— Não sabia que você curtia se dopar não boneca. — o policial amigo do Jobson da risada e entra na sala vindo na minha direção.
Dou passos para trás e sinto a mesa atrás de mim.
— Está com medo Helena? Mas nós achamos que você fosse a perigosa aqui. Haha

— Olha eu não quero mais confusão, eu...
— shiiu, fica quietinha. — ele passa a mão no meu rosto e aperta minhas bochechas me fazendo olhá-lo nos seus olhos. — Você não sabe onde se meteu garota, você não é nada porra, se eu te matar aqui agora ninguém vai se importar. Sabe disso né? Sabe que não tem ninguém procurando por você, então você é nossa.

Ele solta meu rosto com força e me vira de costas, sinto as algemas sendo colocadas e aquela voz nojenta no meu ouvido.
— O que acha de um passeio bebê?

O careca que estava com ele abre porta e sai vendo o caminho, sou empurrada pelo corredor vazio só ouvindo as vozes que vem das alas de cela.
Passamos por várias portas e setores até chegar no portão de entrada.
— Onde estão me levando caralho? — minha voz sai mais rouca que o esperado e ele da risada.
— Se eu fosse você não me preocuparia com isso, só aproveita seu tempinho aqui fora.

Passamos por outros policiais e até umas mulheres, todos só olharam e viraram de costas como se não quisessem se meter na situação. Idiotas.
O portão de ferro é aberto e vejo uma viatura, tento firmar os pés no chão e me soltar em vão. Saindo da penitenciária no meio da noite sem ordem nenhuma, não sou burra, sei o que significa e pode ser um favor pra mim no final das contas.
...

Algum tempo depois já no carro, sentada no banco de trás e algemada. Passamos por uma estrada de terra até chegar na estrada e ouço os dois conversando em uma ligação com alguém.
— Perdemos quantos?... Merda. Não, estamos chegando e não vamos demorar... ok.—
Eles se olham e mesmo que eu esteja me coçando pra saber o que aconteceu, permaneço quieta e olhando pelo vidro.

— Conseguiram fugir. Mas balearam alguns deles
— Caralho, logo hoje que a patrulha tava mais fraca. Isso foi comprado Gomes.
— Acelera isso aí mano, temos que ser rápidos agora.

O carro ganha velocidade e corta alguns outros que estavam na pista. De repente dois carros pretos passam rasgando do nosso lado, e Gomes liga as sirenes.
— Quem são os engraçadinhos em?
— Bora, cola neles Ciro.

Os tiros começam dos dois lados e eu só consigo me abaixar no banco e proteger a cabeça.
— Diminui porra, vai da merda. Chama reforço
— Que reforço cara, tá maluco? A gente tá com a garota aqui porra esqueceu seu merda?

Eles começam a discutir e de repente sinto meu corpo ser jogado pra frente e o carro gira, um barulho alto e os vidros estouram.
— AAH merda — meus braços ardem e meu ouvido tem um eco estranho.
A porta do meu lado é amassada e o carro está de ponta cabeça, eu rastejo pra fora pelo vidro quebrado, sinto um cheiro forte e tento olhar dentro do carro é só vejo um dos policiais ali dentro.
Me forço a ficar de pé e firmar as pernas bambas, tem sangue por toda a parte, minha calça está manchada de sangue e eu sei que é meu, meu braço tem pedacinhos de vidro e acho que a adrenalina não me deixa sentir a dor que deveria estar sentindo.

Olho em volta e não vejo nada além de estrada e carros parando. Não sei onde estou ou o que fazer, mas tenho que sair daqui.

Ando mancando tentando sair da estrada e vou em frente o mais rápido que eu posso antes que alguém perceba.
Um estrondo muito alto me faz parar e olhar pra trás e eu vejo a viatura em chamar.
Ok, não é problema meu.

Continuo caminhando por um tempo, a adrenalina já deixando meu corpo e começo a tremer um pouco, a ardência na minha coxa começa a ficar forte demais, mas mesmo assim eu continuo andando. Tenho que chegar em algum lugar.
E quando estou tão fraca que penso que não vou conseguir sinto um cheiro bom, um cheiro que faz meu coração se acalmar um pouco, então eu paro e vejo que estava tão distraída tentando não desmaiar que só percebo agora que o sol está nascendo, olho em volta agora com um pouco de claridade e eu vejo o mar. EU VEJO O MAR.

Eles estavam tão perto né???? Alguém avisa por favor.

Mente CriminosaOnde histórias criam vida. Descubra agora