Último mês

5 0 0
                                    

A notícia da minha demissão correu rápido pelos corredores do prédio. Por onde eu passava havia sempre cochichos e olhares zombadores. Em nenhum momento me senti humilhada por ter tentado a vaga na empresa, mas a todo momento eu me sentia traída. Confiei tão cegamente que poderia crescer naquela empresa que simplesmente me ceguei para os fatos que estavam sempre a minha frente.

A começar por Magda, a secretária responsável pelo setor de transporte internacional ligado à presidência. Quando trabalhávamos no mesmo departamento sempre me perguntava por que ela não estava no lugar de Kiara, ou em outro cargo de maior relevância, se ela era claramente muito mais competente do que o cargo lhe exigia. O fato também de nunca haver uma seleção interna, todos os cargos administrativos eram ocupados por pessoas que vinham de fora da equipe. Mas nunca dei importância a esse fato, até acontecer comigo.

Na sexta-feira da mesma semana eu já estava tão saturada do trabalho, que me segurei duas ou três vezes de ser mal-educada com os sócios da presidência. Priscila era a que mais me testava, me chamava a sua sala apenas para perguntar se estava tudo bem, se eu queria conversar. No fim da tarde, já próximo do fim do expediente, desde o dia anterior eu passei a sair as dezessete horas, deixando Gabriela atender os chefes no meu lugar, não suportava ficar naquele lugar por muito tempo. Tive que levar alguns documentos na sala de Otávio.

Mesmo negando a mim mesmo, eu sentia falta da amizade do herdeiro mais velho da família. E sempre que ia me encontrar com ele, me preparava para não deixar transparecer nada, não podia exigir dele uma amizade, sabendo que para isso ele teria que enfrentar o irmão. Não era justo.

Entrei em sua sala, a sensação de entrar ali era completamente diferente de quando comecei a trabalhar na empresa. Antes o arrepio que percorria o meu corpo era fruto de medo e desconfiança, a imagem que eu tinha do senhor Otávio era de um tirano, ditador, abusivo e tóxico. Contudo hoje, ao entrar naquela sala, um arrepio de saudade e melancolia me invade, rimos tantas vezes naquele espaço, tantas coisas eróticas fizemos ali, aprendi que Otávio era um homem bom, machucado pela expectativa e opinião da sociedade perante o cargo que era imposto a ele. Se todos vissem o homem sensacional que ele era, o mundo seria muito melhor.

– Posso te ajudar? – Otávio me despertou, seu olhar era curioso, e passou a ser carinhoso quando percebeu no meu rosto o rumo dos meus pensamentos.

– Apenas esses documentos, desculpa o incomodo – fiquei sem graça e deixei demonstrar na minha voz.

Deixei os documentos em suas mãos e me virei para sair da sala, precisava sair dali antes que deixasse minhas emoções controlar minha razão.

– Você tem certeza do que está fazendo? – Otávio disse, sua voz tinha um cuidado e meiguice, que suspirei. – Você pode voltar atrás se quiser, meu pai não pediu nenhuma substituta ao RH ainda.

– O que eu mais queria era não precisar sair dessa empresa, eu me sinto bem aqui, apesar de tudo – falei deixando a sinceridade falar, Otávio sabia que eu falava de Luís. – Mas o que eu iria fazer aqui pelos próximos cinco anos, Otávio? Vou continuar no mesmo lugar, fazendo as mesmas coisas e com as mesmas perspectivas, desculpa, mas eu preciso de mais. Preciso ser desafiada, preciso que o trabalho me tire da minha zona de conforto e mude a minha visão. Eu preciso de mais.

Suspirei. Não sei se Otávio me entendeu, mas se não, ele pelo menos respeitava.

– Eu vou sentir sua falta, apesar de tudo – ele disse.

– Talvez a gente se encontre nas baladas por aí – eu brinquei, relembrando o início do nosso convívio, quando Otávio estava em cada casa noturna e barzinho que eu frequentava, vendo todas as minhas investidas em pessoas aleatórias e morrendo de vontade de ser ele a estar naquele lugar, era o que ele confessou depois de um tempo.

Escolha de sucessoOnde histórias criam vida. Descubra agora