Capítulo 2

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Depois de uma semana de feriadão o resort estava finalmente mais calmo com a diminuição do número de hóspedes. Estacionei e fui direto para a sala de reunião dos funcionários para o briefing matinal. Assim que entrei cumprimentei aqueles que já estavam lá e sentei perto de meus dois funcionários e do chefe da segurança, este último o único que eu poderia chamar de amigo. Fernando era muito sério no trabalho, muito competente e por alguma razão do destino me adorava mesmo eu sendo meio distante de todo mundo. Eu era a gerente de compras e do almoxarifado. Sempre me questionava o porquê de perder tempo nessas reuniões já que diziam respeito mais ao atendimento direto ao público e aos hóspedes que estavam sob nossos cuidados. Eu sabia que de vez em quando alguma questão relevante para minha área aparecia ali, só não me agradava passar uma hora ouvindo sobre a preferência do hóspede VIP X sobre seu café ou temperatura da sauna. Ali também éramos apresentados nominalmente à lista de hóspedes VIP, e todas as informações pertinentes aos mesmos e instruídos a decorá-la. Fui parar nesse resort depois de amargar oito anos ou desempregada ou em subempregos sem carteira assinada. Brasil, 14 milhões de desempregados, e eu fazia parte dessa estatística até seis meses atrás. 

Sou Engenheira Civil por formação e se não fossem minhas habilidades com idiomas teria continuado desempregada. Sou fluente em francês, inglês e espanhol e arranho o turco falado, nada do escrito. Mesmo eu não lidando diretamente com o público eu sabia que a administração do resort deu um jeito de me contratar por conta disso já que a mão de obra local não contava com tantos talentos em idiomas estrangeiros. A cidade praiana em que estávamos não era badalada o suficiente para que as pessoas quisessem morar aqui, a opção era ir e voltar da cidade do Rio de Janeiro todos os dias o que parecia inviável, custoso ou muito cansativo.

Depois da reunião coloquei o blazer verde musgo do uniforme que fazia par com a calça, ambos de linho, o lenço bege sobre os ombros que adornava o conjunto e troquei meus All Star pelo Scarpim (também do uniforme) e que era delicioso de usar. Pelo menos eu adorava. Já na minha mesa chamei meus dois funcionários, Ana e Fabrício, para iniciarmos o que tínhamos planejado para essa gloriosa terça-feira: inventário! Agora que passou o Carnaval e as coisas se aquietam é a época ideal. Fizemos um breve planejamento do dia dividindo as tarefas e setores a contar. Ana lembrou bem dos materiais de escritório armazenados na recepção e decidi que iríamos todos de uma vez até lá para que fosse bem rápido e não atrapalhasse a recepção. Nesse meio-tempo meu chefe me liga pedindo que o encontre para resolver um problema entre as demandas dos VIPs e as reservas do SPA, campo de Golfe, quadras de tênis. Essa era uma atribuição do Gerente de Atendimento que nunca sabia o que fazer e assim várias demandas caíam para mim. A contra gosto disse que em meia-hora iria até a sala dele que ficava no mezanino (nós, a ralé ficávamos no sub-solo). Meia-hora é mais que suficiente para nós três contarmos o que havia na recepção e assim Ana e Fabrício podiam ir para o almoxarifado seguir com a contagem.

Chegando à recepção, à direita, vi uma grande área cercada próxima à área de convivência que tinha quatro ilhas de sofás e mesas de centro e canto em vidro. A recepção era bem na direção da entrada. Dava pra ver a multidão de repórteres e fãs dos VIPs que se amontoavam lá fora. Toda a frente era em vidro com insufilm assim podíamos ver tudo que se passava lá fora e mantínhamos a privacidade dos hóspedes. Passando os olhos no circo que tinha sido montado ali vi que haveria uma sessão de fotos, o que confirmei com a nada simpática funcionária da recepção. Haveria à tarde uma sessão de fotos e autógrafos pelo visto. Escuto um burburinho vindo da área dos elevadores e reconheço facilmente um grupo de rapazes, nossos VIPs da Coreia do Sul, repito mentalmente seus nomes conforme vou vendo cada um: Mr. Kim, Mr. Park, outro Mr. Kim, Mr. Jeon...

Enquanto eu olhava um a um os rapazes aquele primeiro tinha em mãos um skate e teve a brilhante ideia de usá-lo ali no saguão. Assim que bati o olho um alarme soou na minha cabeça: ISSO NÃO VAI DAR CERTO. Mal terminei esse pensamento e eu já estava correndo na direção dele. Ele não tinha habilidade nenhuma com skate, o chão do saguão com certeza não era adequado e aquelas mesas de vidro só pioraram tudo. Quando escutei ele gritar de dor meu coração se condoeu, e a Nina mandona baixou em mim de tal jeito que falava sem parar e em um tom alto:

— Ninguém toca nele (e repetia em inglês)!

O Tempo da LeoaOnde histórias criam vida. Descubra agora