Capítulo 39

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Aos fins de semana eu e RM passeamos bastante. Fomos ao Museu Nacional da Coréia, a parques, vimos a neve juntos, tomamos bons vinhos e fizemos amor muita vezes. Conversamos muito também. A mesma liberdade e facilidade que tínhamos na cama valiam para nossas conversas. Um dia ele pediu:

RM: — Nina, passa uma tristeza tão grande pelos seus olhos quando o assunto é família. Queria muito saber dessa parte da sua vida. Não quer se abrir comigo? — olhei bem pra ele, peguei as mãos dele nas minhas, respirei fundo e comecei.

Eu: — Eu te amo Namjoon. Te amo com tudo que eu sou e com tudo que eu tenho. Tudo que eu quis a vida inteira foi um pouco de amor. Pra ser sincera eu achava que nunca me aproximava muito de ninguém porque não tinha aprendido a amar. Aquela coisa que a gente aprende desde criança com pais, avós, irmãos. Eu não tenho uma explicação pra minha família, gostaria de ter, a verdade é que a vida inteira pareceu que eu não pertencia àquele grupo. Parecia que eles não tinham me escolhido. Uma vez, já adulta eu perguntei se era adotada, mas disseram que não. Eu nunca consegui entender o que me fez ser tratada de forma tão diferente. Minha avó tinha uma preferência óbvia pelo meu irmão, neto mais velho. Isso ficava evidente com brinquedos e presentes e no trato do dia a dia. Com ele era sempre carinhosa. Comigo era quase arrancando meus cabelos quando me penteava. Meu pai estava sempre ausente por conta do trabalho e tudo de que me lembro eram as cobranças escolares. Eu a vida inteira fui a melhor aluna da escola, onde quer que eu estudasse e quando tirava 10 era minha obrigação, se tirasse 9,5 eu já era relapsa e tomava bronca. Minha mãe sempre deu mais importância a outras coisas. Eu era só uma serviçal. Esquentou o almoço pro seu irmão? Ajudou seu irmão com o dever de casa? Sabe qual a pior lembrança que eu tenho? Eu ainda bem criança, uns 4 anos talvez. Catei várias margaridas pra dar a minha mãe, fiz um buque já que ela que gostava muito de plantas. Quando entreguei ela as esfregou na minha boca me repreendendo por ter feito aquilo. Enquanto isso meu irmão escreveu e rabiscou em todas as paredes do quarto dele e foi aplaudido pelos desenhos lindos. Se meus pais fossem rígidos com nós dois de forma igual eu poderia entender que a criação deles os fez assim. Mas por que só comigo? Meu irmão repetia de ano e ia cada vez para um colégio particular e melhor. Na minha cabeça, sendo uma aluna que ama estudar, ele estava sendo premiado. Eu tive que estudar para passar em um concurso para ingressar num bom colégio. Quando o último ano do ensino médio chegou e passei pra uma das melhores Universidades que temos no Brasil era engraçado e revoltante vê-los contando vantagem pra todo mundo. Agarrei a chance de ter minha própria vida longe deles. Veio a formatura e voltei pra casa. Quando consegui um emprego foi um alívio apesar de difícil trabalhar em um ambiente dominado por homens. Consegui vencer naquele ramo e durante muito tempo fui a filha boazinha que dá dinheiro aos pais, paga a faculdade do irmão e mobilía a casa. Quando o desemprego me pegou passei a ser um fardo apesar de nunca pedir dinheiro a eles. Morar na casa deles foi conveniente pra mim e pra eles. Eu alugava a minha casa e eles tinham alguém pra tomar conta dali pagando as despesas de manutenção. Nunca fui de gastar muito, fiz um bom pé de meia e consegui me virar assim até que nos conhecemos. Sai do Brasil sem avisá-los e a única mensagem que recebi deles foi perguntando se a conta de luz da casa deles podia ser debitada direto na minha conta. Nem um "Oi, tudo bem?". — parei pra respirar um pouco enquanto secava as lágrimas dele e as minhas. — A soma de todas as vezes que me senti ignorada ou tratada mal resultou nisso, tenho muito mais exemplos, mas me sinto mal demais de contá-los. O que eu sei é que sempre fui preterida, sempre houve coisas ou pessoas mais importantes que eu. Desculpe-me o desabafo.

RM: — Vem aqui. — e me abraçou apertado por um longo tempo enquanto eu botava pra fora as mágoas em forma de lágrimas. — Eu sinto muito Nina por você ter passado por tudo isso. Deve ser muito difícil não ser apoiada pela própria família. Não é surpresa você preferir ficar sozinha dada a sua história. Só tem uma coisa que não concordo, que você não saiba amar. Isso você não pode dizer, nunca. Tudo que vi desde que te conheci foi você tratar com amor quem está ao seu redor. E de minha parte— ele começou a chorar— eu me sinto tão amado, mas tão amado que você nem precisava ter dito, apesar de eu ter adorado ouvir e querer muito ouvir de novo. Eu sei, eu sinto aqui dentro, eu vejo em cada gesto seu, cada olhar. Eu queria muito que você soubesse o quanto eu te amo, e que você acreditasse nisso: Nina eu amo você. Te amo demais. — e nos beijamos com as lágrimas rolando.

O Tempo da LeoaOnde histórias criam vida. Descubra agora