Conluio cênico

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Ali estávamos de novo naquele pardieiro decadente que talvez em priscas eras, honrasse o nome "Le Jardin", ostentado em neon na fachada carcomida pelo tempo, clima e poluição.
E mais uma vez, no constrangimento habitual de um Casanova falido, convidei-a a ir até a janela e contemplar a vista do centro da metrópole, truque manjado para desviar a atenção dos móveis velhos, espelhos borrados e torneiras enferrujadas daquele matadouro de expectativas românticas.
Enquanto despia meus andrajos, fitei a silhueta nua, esguia, apoiada num dos pés, braços apoiados no batente da janela, com costas, nádegas e pernas ocultas pela penumbra do quarto, mas os seios, ventre e o rosto emoldurado com cachos de medusa expostos à luz do poste em frente, ao alcance da vista de algum sortudo que por ventura olhasse para cima.
Ela sabia muito bem que tipo de impressão me causava quando, fingindo indiferença e olhando para o nada,, acendia um cigarro e trocava de pé de apoio, fazendo aquelas nádegas de ébano se mexerem para o lado, como num convite Involuntário à sua profanação.
Avaliei os lençóis infectos daquela cama carcomida e entendi que mais do que um convite, a medusa de ébano determinara que minha submissão à sua lascívia seria ali, em pé, banhados pela luz de mercúrio e expostos ao risco do voyeurismo dos passantes.
Meus braços enlaçaram aquele ventre marrom, com mãos que se dividiam em prescrutar o norte e o sul daquele corpo, enquanto minha virilha pressionava aquele voluptuoso derrière fazendo com que o cerrar dos olhos e o mordiscar de lábios fossem a coreografia daquele prelúdio de luxúria.
Uma dança assíncrona se iniciou, com avanços, recuos, intumescências, pressões, gemidos, sussurros, secreções, suores e alternâncias, até o êxtase, que os prostrou cativos um do outro, à margem do ambiente que os circundava.
Lá embaixo, na calçada em frente, um casal observava atentamente nosso conluio e só seguiu seu rumo após a tirana de meu desejo acenar-lhes naturalmente, num gracejo repleto de sarcasmo.
O show acabou, a plateia se foi, minha cúmplice cerrou as cortinas e depois de um revigorante banho, voltamos para o camarim de nossas vidas.

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