Ébrio fortuito

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Ébrio fortuito

Eu estava na fila do banco, esperando para pagar um boleto vencido, com os míseros trocados que ainda julgava ter na conta.
Era uma segunda-feira cinzenta, minha boca estava seca e a cabeça explodindo em uma enxaqueca daquelas.
Na minha frente, uma matrona mal-humorada reclamava de tudo. Atrás de mim, um sujeito de terno e gravata, com uma bíblia a tiracolo, bradava ao celular sem parar, como se estivesse num púlpito. Eu suava em bicas, só pensava em pagar minha dívida e sair dali o mais rápido possível.
Quando finalmente chegou minha vez, fui até o caixa e entreguei meu cartão e o boleto. O cara olhou para mim com cara de nojo, digitou alguma coisa no computador, depois me devolveu o cartão e disse, num irritante tom monocórdio:

_Desculpe, senhor, mas o seu saldo é insuficiente.
_Como assim? - perguntei, entre incrédulo e cínico.
_O senhor tem apenas dois reais e quarenta e três centavos na conta.
_Isso é impossível! Tinha pelo menos cem reais ontem!
_Talvez o senhor tenha feito algum saque ou alguma compra da qual não se lembre.
_Não, não fiz nada disso! Tem alguma coisa errada aí!
_Sinto muito, senhor, mas esses são os dados do sistema. O senhor pode conferir no extrato.

Ele me entregou um papel com os últimos movimentos da minha conta. Olhei rapidamente e vi que havia um débito de noventa e sete reais e cinquenta centavos na data de ontem. O nome do estabelecimento era "Boteco Risca Faca".

_Mas que merda é essa? - exclamei, furioso.
_Algum problema, senhor?
_Claro que tem! Nunca fui nesse pardieiro! Isso é um roubo!
_Calma, senhor, não precisa se alterar. Talvez o senhor tenha ido lá e não se lembre.
_Como não vou me lembrar de ir a um boteco? Eu nem bebo! - menti descaradamente como subterfúgio, já em dúvida sobre o que teria feito ontem à noite.
_Bom, senhor, isso é o que o senhor diz. Mas o fato é que o débito foi feito com o seu cartão e com a sua senha. Portanto, só pode ter sido o senhor mesmo.
_Isso é um absurdo! Quero falar com o gerente!
_O gerente está ocupado no momento. O senhor pode aguardar na sala de espera ou ligar para o SAC.
_Não, quero falar com ele agora!

Perdi as estribeiras e comecei a gritar e a bater no vidro do caixa. Os outros clientes me olhavam assustados. Os seguranças se aproximaram e tentaram me acalmar.

_Senhor, por favor, baixe a voz e saia da fila. O senhor está atrapalhando os outros clientes.
_Não saio daqui enquanto não resolverem meu problema! Fui roubado!
_Senhor, se não colaborar, vamos ter que usar a força.
_Podem vir! Não tenho medo de vocês!

Empurrei um dos seguranças e dei um soco no outro. Eles revidaram e me jogaram no chão. Senti uma dor forte na cabeça e vi tudo escurecer.
Quando acordei, estava em uma cela suja e fedorenta. Um policial veio até mim e me disse:

_Parabéns, idiota. Você acabou de ser preso por agressão e falsa comunicação de crime.
_Não foi bem assim! Eu só queria pagar um boleto, mas fui destratado pelo caixa.
_Ah, é? E o que você tem a dizer sobre isso?

Ele me mostrou uma foto tirada do circuito interno de vídeo do famigerado Boteco Risca Faca. Nela, eu aparecia sorridentemente extravagante ao lado de uma voluptuosa e extrovertida manceba. Na mesa, havia várias garrafas de cerveja e um prato de torresmo.
Olhei para a foto sem acreditar. Eu não reconhecia aquela cena, nem aquela mulher, nem aquele bar. Eu não sabia como tinha ido parar ali, nem como eu tinha gastado meu dinheiro. Apenas imaginava que minha amnésia recente e a dor de cabeça que sentia desde que acordei pudessem explicar todo esse vexame ao qual me submeti.
Desencanei, enfim.
Pedi um cigarro ao carcereiro, que ao perceber minha resignação, prontamente me forneceu, fazendo-me sentir como benemérito de um favor recebido como o último desejo de um condenado no corredor da morte.
Já escarrapachado sobre o catre, traguei solenemente o alcatrão, deixando escapar um sorriso indecente enquanto baforava a fumaça, para então ponderar com meus botões:
_Dane-se! Pelo menos descobri que a noite foi boa...

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