Churrasco

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_Ô de casa!

Quem diabos, chamaria em minha varanda, às sete da manhã de um sábado, em tempos de pandemia, interrompendo meu necessário isolamento social?

Pus a cabeça para fora da janela. Era o Jair. Um pitoresco espírito de porco, que pela contingência de ter convivido infância e adolescência comigo, tornara-se uma espécie de parente indesejado, alguém possuidor de uma consideração afetiva que esmerava em não merecer.

_Não vai chamar pra entrar?

O desejo era o de atirar o troféu de truco da estante na cabeça do infeliz, mas controlando as emoções, mandei o desalmado ficar sentado ali mesmo, na mureta.

_Bora lá em casa fazer churrasco? -propôs o energúmeno - Já tenho carvão e linguiça; você leva carne e cerveja, tá ok?

Respirei fundo, resfoleguei, tirando um sorriso demente da face do mala sem alça e o inquiri: "Tá de sacanagem? Seus pais idosos e debilitados moram contigo. Não tem medo que alguém os contamine? Além do mais, dou valor à minha própria vida. Vou ficar quieto no meu canto e te recomendo fazer o mesmo."

_Bobagem, rapaz! Você anda vendo muita televisão. É só uma gripezinha. Pretexto pra vagabundo matar o serviço. 

Fitei Jair, com a expressão séria. Ele estava suando em demasia, respirava com dificuldade e enquanto eu ensaiava um argumento que o tornasse à razão, teve uma crise de tosse. Fiquei ali, aguardando que parasse de tossir, mas ele foi ficando roxo, teve espasmos e caiu ali mesmo na varanda, desfalecido.

Tirei o telefone do bolso e digitei 192, enquanto observava Jair no chão, desacordado, mas felizmente respirando, ainda que ofegante.

A ambulância chegou rápido, coisa de cinco minutos, encerrando minha vigília ao churrasqueiro doente.

Enquanto ele era colocado na maca para ser removido ao hospital, voltei a pegar o telefone e desta vez, liguei para a casa de Jair.

_Bom dia, Dona Olinda! Dispensa o povo. O churrasco vai ficar pra outro dia...

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