Uma silhueta encapuzada surgiu de relance, vinda do arvoredo.
Seu vestido púrpura, de longas bainhas de renda negra, escondia os pés que o conduziam, farfalhando ao roçar as folhas secas, dando a impressão que a aparição de tons ígneos flutuava pela noite de pleno luar.
A ambiência do sepulcrário, invadido pela batalha, compunha-se do som de espadas percutindo carne, ossos e metais, tochas flamejando e imprecações que sucediam lamentos de agonia, que foram cessando à medida em que o assombro crescia, catalisado pela visão da rubra silhueta.
Como que zumbificados, invasores e moradores largaram suas armas e caminharam, trôpegos e ofegantes, em direção ao espectro escarlate.
As carcaças mutiladas, prostradas e besuntadas em sangue, mesmo despidas do élan vital, arrastavam-se atrás dos vivos, preenchendo a atmosfera com ulos fantasmagóricos e nauseabundo odor de morte.
Aos poucos, mortos e vivos circundaram a aparição, formando um cerco estático, como um assédio ao vulto carmesim.
Um silêncio soturno tomou conta do campo-santo, quando as tochas se apagaram e deram ao luar a primazia de vencer a penumbra.
Súbito, a visagem deixou cair
capuz e vestido, revelando sua essência e natureza: um torso feminal com vultosos seios, encimados por uma horrenda cabeça de górgona e sustentado por hirsutas pernas dobradas para trás, cuminando em patas bífidas como as de um porco.
Os vivos caíram fulminados e os mortos finalmente se prostraram inertes.
A aparição tomou o rumo do bosque, deixando para trás suas cetrinas vestes e a certeza que a paz novamente reinava sobre aquele cemitério outrora profanado.