Outonal é a labuta

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Era mais uma manhã de outono, com a óbvia pasmaceira que acometia os dias que se interpunham entre os equinócios.
Despertar na mesma cama, para sorver o mesmo café de cada dia, ouvindo as mesmas pequenas tragédias do cotidiano sendo grasnadas por indivíduos engravatados confinados em telas de led, esforçando-se para dar ares de novidade ao tecido de obviedades cerzido pela rotina de absurdos que compõem a vida das formigas humanas, em nada representava algum tipo de motivação que lhe sequestrasse do enfado.
Em poucos minutos teria de estar em um coletivo abarrotado de proletários oprimidos pela vida, esfregando-se uns aos outros, tossindo, espirrando, dormindo, tagarelando, cada qual cumprindo seu roteiro de engrenagens puídas, no aguardo de compartilharem ferrugem quando enfim, estivessem encaixadas e girando na gigantesca máquina de moer gente chamada labuta, onde os poucos momentos em que se sentiriam humanos eram quando estivessem comendo ou defecando entre um toque de sirene e outro.
Há poucos anos, que lhe pesavam como séculos, se sujeitava ao fado que não escolhera, mas suportava ante a promessa que após décadas, se sobrevivesse ao processo, permaneceria vivo, ainda que sem dentes, sem conforto, sem saúde, mas com o consolo de ter muitas histórias para contar, enquanto aguardava o imponderável de sua não mais existência.
Imerso nessas reflexões, não escovou os dentes, nem se vestiu, voltando para a cama, onde, num último átimo de consciência antes de tornar ao sono, proferiu entre dentes:
_Foda-se!

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