Rearranjando pela enésima vez minha biblioteca, um objeto caído de um exemplar de "O morro dos ventos uivantes" despertou-me a reflexão de que no final das contas, o que importa não é o que se vê, mas o que se percebe, insinua, desvela, instiga, provoca, desperta, reconhece, transcende, emana, inspira e sobrevive impávido, mesmo após após saciado.
Explico:
Quando você abre um livro e se depara com uma velha embalagem de bombom cuidadosamente trançada em laço, o que vai invadir suas memórias?
O chocolate saboreado, mastigado e deglutido ou a vivência que impregnou de sentido aquele reles e subestimado pedaço de papel?
Com a devida vênia a todos os chocolates que comi e a todas as almas bem (ou mal) intencionadas que os me presentearam, nenhum deles foi tão delicioso quanto aquele que outrora fora envolvido no invólucro rosa transparente, decorado com partituras e um casal bailando, esmaecido pelo solvente do tempo.
Por um capricho do destino ou intencionalidade há muito esquecida, nas páginas em que o mimo se encontrava prensado, saltava aos olhos o seguinte trecho:"Não sei como explicar, mas certamente que tu e toda a gente têm a noção de que existe, ou deveria existir, um outro eu para além de nós próprios."
Recolhi o laço de celulose e com carinho, o recoloquei naquele libelo sobre amor trágico, no qual passou a compor uma singela homenagem de um romance que aconteceu àquele que foi meramente idealizado.