O Natal nosso de cada dia

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Em seu calvário cotidiano, deu graças pelo fim de mais um dia.

Enquanto puxava sua carroça repleta de papelão, olhava ora com curiosidade, outras com admiração, as ruas enfeitadas, enquanto percorria as contrastantes veredas do centro da metrópole rumo àquele cubículo de concreto sem portas ou janelas, onde por cima circulavam automóveis e embaixo, a célere e indiferente fauna urbana.

Não fosse pela inabitual cortesia enlevada pelo interessante efeito que essa época causava à agora nem tanto rude plebe ou talvez àquele pulsante pisca-pisca que substituía o lusco-fusco de sempre, aquele dia entre os demais trezentos e sessenta e quatro passasse desapercebido às suas futuras memórias, porém uma surpresa o aguardava amarfalhada entre os podres panos que protegiam do relento sua família: aquele "mais um" que no ventre de sua companheira era uma incerteza como fora sua predecessora prole, ali estava, esquálido, nu, protegido de uma realidade atroz e abençoado com uma gama de possibilidades, em que excluídos os perigos, poderia ser chamado de "promessa".

Naquele cubículo não havia animais a compartilhar seu calor com o rebento, tampouco nobres de longínquas plagas portando presentes, mas o terno abraço, as lágrimas contidas e os sorrisos que se tocavam em rostos colados iluminavam o mundo daquelas pessoas, talvez mais que a fachada de todos os shopping centers do mundo.

Era a noite de véspera de um vinte e cinco de dezembro de um ano qualquer, mas pela primeira vez em suas vidas, aquelas pessoas teriam o que comemorar nesta data.


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