O pavão

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Ultimamente meus momentos de folga são tão escassos quanto as esparsas recorrências de amigos das antigas procurando-me para um rolê regado a bate-papo.
O que não me pareceu óbvio de início era uma premente necessidade de autoafirmação desse meu parceiro de tempos idos, uma excrescência de carência afetiva que para um quase quinquagenário, soava meio ridícula.
Acomodei-me naquele carro de empresa e quase me entorpeci com aquele olor carregado, próprio de fragrâncias espalhadas pelo corpo com o descuido de se exceder em muito a parcimônia.
Enquanto tentava ficar sóbrio, num épico embate olfativo com o olorante bodum, ouvia relatos de viagens à Disneyworld, contemplações em consórcios, presentes caros dados a concubinas e uma estranha lealdade canina a quem lhe oprimia mas era "digno de sua consideração" por recompensar-lhe com a oportunidade de ser sempre um escroto exposto às carícias figurativas e quem sabe, até físicas, deste inacreditável puxa-sacos típico.
A tentativa de angariar relevância prosseguiu no almoço num restaurante caro no qual fui poupado da "dolorosa" por um solene "deixa que eu pago", mesmo que nós dois soubéssemos que ele "penduraria" na conta da empresa e rogaria ao caixa que ocultasse de seu chefe a deferência concedida a esse ex-colega de trabalho.
O bombardeio de futilidades continuava.
Eram citações constantes de marcas famosas, estilistas "da hora", lugares descolados, festanças pretensamente contumazes...
De nossos bons momentos de outrora, de nossas aventuras e desventuras no caminho da formação de nossas personalidades, de nossos anseios honestos, nenhuma palavra.
Reparei incidentalmente e sem querer que apesar da opulência pavoneada, meu amigo tinha cáries.
Despedimo-nos após muita verborragia, assim como risos, muitos deles amarelos, como aquele que denotou as afecções dentárias do "pavão".
Ouvi muito. Falei quase nada.
Continuaremos amigos, "pero non troppo"...

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