15_ A tatuagem.

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ㅡ Você vai me contar o por quê estava chorando no meio da madrugada e sozinho? ㅡ Perguntei encarando o Saulo enquanto eu colocava o copo de água na sua frente.

ㅡ Eu te acordei, né? ㅡ Saulo ergueu uma das sombracelhas.

ㅡ Sim, você me acordou. Agora não tente mudar de assunto porque eu sou curiosa demais para deixar o que aconteceu a segundos atrás de lado! ㅡ Puxei a cadeira e sentei na mesma olhando-o seriamente.

ㅡ Não foi nada demais, Elizah. Eu... ㅡ Interrompi ele.

ㅡ Saulo, eu te abracei. Sacou? Te abracei! Eu odeio você desdo dia em que você derrubou todos os meus livros, e agora eu te abraço numa ocasião que você precisou muito. É claro que foi algo demais! ㅡ Expliquei. ㅡ Olha aqui, eu não sou uma pessoa carinhosa que sai por aí dando afetos e abraços sinceros. Então se eu abraçar alguém, que não seja meus pais, você está sendo privilegiado pra cassete. Então se você não me contar agora eu juro que te dou um soco no olho e você vai ficar lindo quando o sol clarear. ㅡ Abri um sorriso sarcástico para ele. ㅡ Vai me contar ou quer escolher de qual mão quer o soco? ㅡ Ergui meus dois punhos fechados, isso fez ele suspirar balançando a cabeça.

ㅡ Esse seu jeito me irrita.

ㅡ A sua presença me irrita e nem por isso eu fico falando. ㅡ Dou de ombros. ㅡ Vai falar ou não?

ㅡ Arg. Odeio você. ㅡ Ele revirou os olhos. ㅡ Eu estava chorando por causa da minha mãe.

ㅡ A sua mãe está doente?

ㅡ Não. ㅡ Ele negou. ㅡ Como eu disse, a minha família é bastante complicada. Eu sou o filho mais velho, tenho um irmão de apenas 7 anos, minha mãe é uma faxineira e o meu pai trabalha de uma coisa que eu não faço a mínima ideia. ㅡ Ele começou a falar, era nítido a dor em seus olhos e a raiva também. ㅡ Na adolescência, antes de você chegar na escola, eu era um adolescente problemático.

ㅡ Isso não me surpreende. ㅡ Resmunguei. Ele me olhou sério em seguida me fazendo erguer as mãos.

ㅡ Ok, continuando. Antes da gente se conhecer, eu dava muito trabalho para meus pais, não me orgulho de dizer isso mas é a pura verdade. Eu só andava com gente que não prestava, vivia em festas, bebendo, curtindo a minha vida sem nem me importar com os estudos. Até que eu recebi um baque na escola, meus pais brigaram tanto comigo que me colocaram de castigo por vários meses. Eu só ia da escola para casa. ㅡ O olhar vazio do Saulo me assustava. ㅡ Com aqueles meses sem ir para festas eu comecei a repensar em algumas atitudes. Reparei o meu erro e comecei a voltar a estudar e esquecer completamente das festas.

ㅡ Ai a gente se conheceu.

ㅡ Isso. ㅡ Ele assentiu. ㅡ Naquele mesmo dia quando eu cheguei em casa os meus pais estavam brigando no quarto. O meu irmão veio correndo até a mim chorando e com medo pelos gritos, eu não sabia o motivo. Eu tentei de todas as formas entrar no quarto, mas a porta estava trancada, foi ai que eu ouvi o grito da minha mãe. Era grito de dor. O meu pai tinha batido na minha mãe. ㅡ Ele abaixou o olhar, e logo percebi que as lágrimas voltaram a descer. ㅡ Eu tentei arrombar a porta do quarto, mas quando eu consegui já era tarde. Ele já tinha batido nela e foi o suficiente para aquela discussão acabar, ele me empurrou e saiu para a rua e só voltou no dia seguinte. A minha mãe praticamente me expulsou do quarto dela e passou o resto do dia trancada no quarto chorando. Algum tempo passou e veio a tão sonhada formatura, eu achei que tinha chances para passar para alguma faculdade que pudesse mudar a minha vida, e felizmente eu tinha. Eu queria muito me formar em direito, estava quase indo para a faculdade quando eu cheguei em casa e vi mais uma briga dos meus pais. Na verdade, o meu pai estava espancando a minha mãe. Espancando real e foi na frente do meu irmão. ㅡ A voz do Saulo começou a embargar, eu não obtive reação nenhuma. Não conseguia dizer um A. ㅡ Eu fui para cima dele, Elizah. Eu briguei com o meu pai gritando com todas as letras que ele estava machucando profundamente a minha mãe e assustando meu irmão. Ele não falou nada, simplesmente me empurrou e foi embora de casa novamente dizendo que queria que eu fosse embora. Eu fui, passei um tempo num quartinho pequeno, até que veio o resultado da faculdade. Eu passei! Sim, eu tinha passado! A minha felicidade era tanta que não cabia dentro de mim, até que recebi a ligação do meu irmão. Ele chorava desesperado, gritava dizendo que a minha mãe estava no quarto com muitos comprimidos no chão e estava desmaiada. Naquele dia foi o cúmulo para mim. Eu fiquei profundamente magoado pelo meu pai não ter feito nada além de dizer que ela era fraca e que preferia mil vezes as mulheres que ele pegava na rua.

ㅡ Saulo, eu... ㅡ Ele me interrompeu.

ㅡ A minha mãe ficou dias naquele hospital tentando se recuperar. E naquele dias eu decidi ir realmente procurar um emprego para mim, foi ai que a Lia surgiu. A gente começou a trabalhar feito loucos no food, então deu tempo de eu conseguir juntar dinheiro para pelo menos morar de aluguei. Até que, óbvio, a Lia deu um jeito e me fez conhecer o sorteio.

ㅡ Mas... e a sua faculdade? O seu sonho? Você tinha... ㅡ Ele me interrompeu novamente.

ㅡ Eu desisti. ㅡ Ele respondeu simplesmente. ㅡ Eu fiquei com medo de que a minha mãe voltasse para casa e o meu pai batesse nela. Ela tentou se matar uma vez e eu não queria que acontecesse de novo. E se eu fosse para a faculdade não teria como ajudá-la nem protegê-la daquele babaca. Foi por isso que mesmo querendo muito fazer faculdade, eu pensei na segurança da minha mãe em primeiro lugar e também a do meu irmão.

ㅡ Mas, Saulo, e a sua mãe?? Ela continua com ele?

ㅡ Infelizmente, sim. ㅡ Saulo abaixou a cabeça. ㅡ Eu tento. Desdo dia em que ela saiu daquele hospital eu tento de todas as formas tira-la de lá daquela maldita casa, mas ela não me escuta e continua ao lado daquele cara. Por isso que raramente eu vou lá, só vou quando ele não está em casa. ㅡ Ele falou, em seguida ergueu os braços e tirou a camisa. Engoli em seco olhando o seu peitoral e, sem surpresa, olhei diretamente para a tatuagem. ㅡ O verdadeiro significado da tatuagem é esse. A dor. Eu me martilzo todos os dias por não ser forte o suficiente para ajudar a minha mãe, convence-la a colocar aquele cara na cadeia, ou qualquer coisa que tirasse ele da vida dela, mas eu não consigo. Eu não sou forte. Nessa rosa com quase todas as pétalas caídas eu mostro que a única coisa que segura é o meu irmão, mesmo assustado ele me liga quando tem uma briga e eu chego lá antes que termine com a minha mãe se entupindo de remédio. ㅡ As lágrimas estavam presentes nos olhos do Saulo, a dor era nítida em seus olhos, e o aperto no meu peito me fazia olha-lo com dor também. ㅡ Elizah, eu sou quebrado. Eu não consigo nem salvar a minha mãe de um homem covarde que não faz nada além de bater e traí-la. Eu não sou forte, eu estou numa escuridão terrível que me faz cair todos os dias. Eu vivo na escuridão.

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Um Teto para DoisOnde histórias criam vida. Descubra agora