Coração

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Não tinha dormido nem duas horas, quando o médico chegou para examiná-la. Ela estava usando seu pijama Potiguar branco.

O médico acordou-a para passar os próximos procedimentos.
-Bom dia, Maraisa! Desculpa passar tão cedo. Hoje meu dia está corrido! Tenho várias pacientes para examinar e alguns partos marcados. Como passou a noite?

-Um pouco ansiosa...

-E os sintomas, como estão?

-Não estou sentindo fraqueza, nem mal-estar. Os enjoos estão bem suaves.

-Bom, hoje vamos iniciar a dieta líquida. Vamos utilizar esse procedimento por três dias. Estou confiante na sua rápida recuperação porque algumas pacientes apresentam vômitos mesmo com jejum absoluto, soro e antiemético.

Maraisa estava ansiosa e, ao mesmo tempo, feliz. As palavras do médico foram confortadoras.

-Vamos começar administrando pouca quantidade de líquido. Não retirarei o soro por enquanto e suspenderei o antiemético. Se você apresentar vômitos, voltarei com a medicação.

-Estou muito ansiosa... quero melhorar e voltar para casa-desabafou ela.

-Vamos fazer tudo com calma. O importante agora é que seu estômago aceite líquido. Depois, vamos avançando, ok? Outra coisa, hoje à tarde uma psicóloga vem te ver. Muitas grávidas desenvolvem depressão e ansiedade porque a Hiperêmese traz muitos prejuízos à rotina das gestantes. Vamos cuidar da sua mente também.

-Tudo bem...- ela suspirou.

-Amanhã nos vemos.

O médico saiu apressado e, depois de dez minutos, a enfermeira entrou no quarto. Ela trazia um pequeno copo nas mãos.

Maraisa sentiu um calafrio. Tinha muito medo de que seus enjoos e vômitos voltassem.

-Bom dia, Maraisa! Como está hoje?

-Melhor.

-Que bom! Trouxe um copo de suco de limão. O limão aumenta a acidez e ajuda na digestão. Não beba de uma vez, seu estômago está vazio, então você precisa beber pequenas quantidades de cada vez. Se você sentir vontade de vomitar, interrompa a ingestão. Vou deixar na mesinha um recipiente, caso haja vômitos, você poderá utilizá-lo.

Maraisa sentiu-se enojada por ter que vomitar dentro de uma vasilha.

Pegou o copo das mãos da enfermeira. Sentia que suas mãos estavam suando. Levou o copo até a boca e deu um pequeno gole. Assim que o líquido atingiu seu estômago, ela sentiu uma leve náusea. Colocou o copo sobre a mesa e deitou-se completamente.

A enfermeira retirou-se para que Maraisa ficasse mais à vontade.

Ela sentia um pequeno enjoo, mas nada comparado aos que tivera antes.
Ficou um pouco mais confiante e foi bebendo o suco vagarosamente.
Seu estômago aceitara bem o líquido e ela respirou aliviada.

Pela manhã, a enfermeira trouxe suco mais duas vezes.

Tudo parecia estar melhorando e ela sentia-se agradecida.

Na hora do almoço, Maiara fez uma chamada de vídeo para a irmã.
-Oi, irmã! -disse Maiara com lágrimas nos olhos.

-Ô, Maiara, que que foi?

-Estou sentindo sua falta! A casa sem você não é a mesma! E estou muito preocupada e com muita saudade!

-Balala, não fica assim! - disse com voz maternal.

Maiara fez um bico e Maraisa prosseguiu:
-Hoje começaram a me dar líquidos e adivinha? Não vomitei!

-Que notícia boa, irmã! Volta logo!

-Escuta, Maiara, e aquela notícia? Ninguém falou mais nada?

-Não! Acho que, por enquanto, aceitaram a "mentira". Você está com problema no joelho e pronto.

-Menos mal...-suspirou Maraisa.

-Irmã, vou desligar. Preciso ajudar a Paulinha com umas coisas aqui. Te amo!

-Também te amo, Balala.

Meia hora depois, Marília também ligou para a amiga. Elas conversaram por dez minutos. Maraisa sentia-se mais tranquila.

A enfermeira voltou algumas vezes trazendo água gelada. Tudo parecia estar bem.

À tarde, a psicóloga veio vê-la.
-Oi, Maraisa, sou a doutora Marta. Tudo bem?

-Agora estou melhor...

-Eu vim para uma primeira conversa. Mulheres grávidas ficam mais sensíveis e as que apresentam Hiperêmese têm tendência a desenvolver ansiedade e depressão por terem que mudar sua rotina, parar de fazer várias coisas, devido aos fortes enjoos e vômitos incontroláveis. Então, eu só quero que você me diga como se sente.

Maraisa sentiu que iria desabar em lágrimas e foi o que aconteceu. Chorou muito. No começo, não conseguia falar, mas foi se acalmando.

Por fim, soltou:
-Essa gravidez virou minha vida de cabeça para baixo. Eu não planejei, eu não estava esperando por isso, estamos no meio de uma pandemia e eu estou com medo. Nunca me senti tão mal na minha vida. Às vezes, prefiro a morte em vez desse bebê. Eu sei que é horrível. Eu sou uma pessoa horrível! Só tive um momento bom: quando ouvi o coraçãozinho dele. Me senti responsável por essa vida, mas, na maioria das vezes, quero fugir e ter minha vida de volta. Eu tenho medo de não conseguir ser forte, de não ser uma boa mãe. Eu tenho medo até de tomar um copo de água. Eu quero voltar para minha casa. Quero minha mãe, minha irmã.. -soluçava ela.

-É normal sentir-se deslocada. Seus hormônios estão desregulados. Com o tempo, tudo isso tende a melhorar. O importante é que você me fale tudo o que está sentindo para que possamos reverter essa situação.

-É isso... eu não sei se quero estar grávida. Às vezes, eu quero muito esse bebê, às vezes, queria que ele não existisse. Também tem a questão da mídia. Já vazaram que estou internada, não quero que ninguém saiba o motivo da minha internação porque daí, sim, não vou ter mais paz. Sempre ouvi dizer que gravidez não é doença, mas olha para mim...estou internada por conta de uma gravidez!

-Maraisa, o apoio do seu companheiro e da sua família serão fundamentais nesse momento.

-Como, doutora? Se estou aqui sozinha! - desatou a chorar mais uma vez.

-Mantenha contato: ligue, converse, fale como você se sente e do que você precisa.

Ela soluçava.
-Eu preciso da minha mãe.

-Logo você estará em casa e vamos continuar nossas consultas aqui no hospital e em seu domicílio, se for necessário.

A psicóloga esperou Maraisa se acalmar, anotou algumas coisas em um bloco de papel e marcou uma visita para o dia seguinte.

Depois de ter todos os sentimentos mexidos, Maraisa ficou inquieta.

Fabrício e sua mãe ligaram, mas ela não atendeu. Não queria mostrar que andara chorando.

À noitinha, a enfermeira entrou mais uma vez com um copo de suco de limão. Esperou que a enfermeira saísse e, como sentia a boca muito seca, tomou tudo de uma vez.

De repente, sentiu seu estômago dar voltas.
"Que burra! Por que você fez isso, Maraisa?"-pensou ela.

O suco subia e descia na garganta.
"Segura"- pensava ela.

Não teve jeito: vomitou todo o suco no recipiente que a enfermeira havia deixado.

Ao contrário das outras vezes, não sentiu mais náuseas, nem enjoo após o vômito. Percebeu que vomitara porque ingerira o líquido rápido demais.
"Menos mal" - pensou ela.

Seu estômago estava calmo, seu corpo estava melhor. O que doía agora era o coração.

Depois da Tempestade Onde histórias criam vida. Descubra agora