Correntes e Cadeados

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Almira já havia se levantado há algum tempo e estava estranhando a ausência da filha mais velha na mesa do café. Maraisa e Wendell sempre levantavam-se cedo e tomavam café com a família. Almira sabia que Wendell partiria naquela manhã e que, provavelmente, a filha já estava acordada. Resolveu bater à porta, mas quando chegou perto do quarto, percebeu que ela estava entreaberta. Colocou a cabeça para espiar e notou que o quarto estava vazio. Entrou e percebeu que o guarda-roupa também estava entreaberto.

Achou tudo aquilo muito estranho. Maraisa não era, de maneira alguma, uma pessoa desorganizada, principalmente com suas roupas.

Abriu o móvel e viu várias roupas fora dos cabides e o pijama da filha estava jogado ao lado da cama. O que estaria acontecendo?

De repente, notou um bilhete em cima da cama. Pegou-o e leu rapidamente. Sentou-se na cama incrédula. Isso não era do feitio da sua filha. Maraisa nunca sairia de casa sem comunicar a família. Havia algo muito errado naquela história. Além do mais, a filha deixara o celular no quarto e Maraisa nunca saía sem levá-lo.

Resolveu ligar para César e contar tudo o que vira no quarto da filha mais velha naquela manhã.
César achou aquilo tudo muito esquisito e sua primeira ideia foi ligar para Fabrício. Todas as chamadas caíram na caixa postal. Então, ele resolveu ir até a antiga casa do casal em busca de notícias da sua filha.

Assim que chegou, notou que a casa estava toda trancada, mas o carro de Fabrício estava estacionado bem ali na frente. Tocou o interfone e nada. Tocou mais uma vez.
-Bom dia! - disse uma voz desconhecida.

-Bom dia! Eu queria falar com a minha filha Maraisa.

-Vou chamar meu patrão.

Depois de alguns minutos, Fabrício veio abrir a porta. Tinha uma aparência aparentemente normal, apesar de demonstrar certa impaciência. Mesmo assim, tratou o César de maneira gentil.
-Bom dia, meu sogro! O que te traz aqui tão cedo?

-Eu vim falar com a Maraisa, Fabrício...

-Com a Maraisa? Não sei se vai ser possível, acho que ela está cochilando.

-Não tem problema. Eu espero- disse César passando por Fabrício e entrando.

Fabrício segui-o e conduziu-o até a sala.
-Senta, fique à vontade. Eu vou pedir para que te sirvam um café. Enquanto isso, vou ver se a Maraisa já está acordada.

Fabrício passou pela cozinha rapidamente, pediu para que passassem um café e subiu para falar com Maraisa.

Abriu a porta com cuidado e encontrou Maraisa sentada no chão chorando. Quando o viu, Maraisa levantou-se e foi até ele:
-Sabia que você iria repensar e me tirar daqui.

-Fala baixo. Seu pai está aí. Você vai descer e falar para ele que está tudo bem, que você resolveu voltar para mim e que está muito feliz.

-Você está louco, Fabrício? Perdeu de vez o juízo??

-Cala a boca, Maraisa! Senão eu atiro no seu pai- disse ele mostrando o revólver em sua cintura.

Naquele instante, Maraisa sentiu seu sangue gelar. Fabrício não estava para brincadeira. A perda do filho e a saída da mulher de casa, quase que ao mesmo tempo, havia deixado Fabrício completamente transtornado.

-Calma, Fabrício. Eu vou fazer o que você está pedindo, só não faça nada com meu pai. Só preciso lavar meu rosto.

Fabrício acompanhou-a até a porta do banheiro e ela lavou o rosto para disfarçar que andara chorando.

Os dois saíram do quarto e Fabrício fazia questão de caminhar atrás de Maraisa para que ela não se esquecesse que, se ela fizesse algo suspeito, ele atiraria no pai dela sem dó, nem piedade.

Maraisa chegou na sala totalmente retraída e nervosa. Quando a viu, César correu até ela.
-Filha, o que que aconteceu? Sua mãe e eu ficamos preocupados com você! Você saiu da fazenda sem falar com ninguém...

-Oi, pai! Está tudo bem. Eu resolvi dar outra chance para o meu relacionamento com o Fabrício. Afinal, nós já tivemos um filho juntos.

Maraisa enxugou uma lágrima que insistiu em brotar dos seus olhos.
-Você está bem mesmo, filha?

-Sim, pai! Eu só fiquei assim porque lembrei do meu filho.

-Você não vai voltar para a fazenda? E o Wendell?

Maraisa hesitou ao ouvir aquele nome. Como seria quando Wendell descobrisse? Ele, provavelmente, acreditaria nessa história toda e nunca mais iria procurá-la. Uma dor profunda tomou conta dela. Quando olhou para trás, Fabrício estava com a mão na cintura segurando a arma por baixo da camisa.

-Não vou voltar, pai. Com o Wendell eu me resolvo depois. Se ele me procurar, pode avisar que estou com o Fabrício.

Maraisa sabia que dizendo isso estava praticamente atirando pela janela a chance de ser feliz.

César não engoliu muito bem aquela história porque conhecia a filha como ninguém. Ele viu, claramente, nos olhos dela que havia algo muito errado. Percebeu, também, que, em nenhum momento, a filha demonstrou carinho por Fabrício. Ela parecia estar ligada no modo automático.

-Filha, você poderia, pelo menos, falar com sua mãe.

-Eu tento falar com ela depois, pai. Fica tranquilo.

-Então, meu sogro, tudo certo? -perguntou Fabrício interrompendo os dois.

-Parece que sim.

-Pode voltar para a fazenda, sogro. Maraisa está sendo muito bem tratada aqui.

Maraisa assentiu com a cabeça.

César foi até a filha e deu um beijo na testa dela. Maraisa agarrou forte o braço do pai, como se não quisesse que ele fosse embora. César olhou mais uma vez dentro dos olhos da filha na esperança de que ela dissesse alguma coisa, mas ela permaneceu calada.

Ele dirigiu-se até a porta acompanhado por Fabrício. Antes de sair, ainda deu mais uma olhada para a filha, que permanecia imóvel no meio da sala.

Assim que César foi embora, Fabrício pegou Maraisa pelo braço e subiu as escadas com ela. Quando chegaram à porta do quarto, ele entrou junto com ela e trancou a porta com a chave. Fez menção para que Maraisa se sentasse na cama e sentou-se ao lado dela.

-Nós vamos ser muito felizes, Maraisa. É só você se comportar que tudo ficará bem. Logo, seremos uma família novamente.

Ele levou os lábios até os lábios dela e tentou beijá-lá. No mesmo instante, ela sentiu uma repulsa e afastou-o bruscamente com as duas mãos. Fabrício ficou visivelmente irritado e partiu para cima dela. Segurou os braços dela com tanta força que ela começou a gritar.

Nesse momento, Fabrício soltou um dos braços de Maraisa e colocou a mão na boca dela para que ela parasse de gritar. Quando ele colocou a mão sobre a boca dela, Maraisa não hesitou e mordeu a mão dele com toda força. Com a dor que sentiu, ele acabou soltando-a e ela correu para o banheiro e trancou a porta.

Fabrício olhou para a sua mão que sangrava. Foi até a porta do banheiro e começou a esmurrá-la:
-Sai daí, Maraisa! Sai! Estou te avisando!

Maraisa permaneceu sentada no chão do banheiro com a cabeça entre as pernas chorando copiosamente.

Depois da Tempestade Onde histórias criam vida. Descubra agora